Boa noite, srta. O’Callaghan.

— Boa noite, sra. Morkan.

— Boa noite, então.

— Boa noite a todos. Boa viagem.

— Boa noite. Boa noite.

A manhã ainda estava escura. Uma tênue luz amarela pairava acima das casas e do rio, e o céu parecia estar descendo. O chão estava coberto pela neve derretida, e apenas listras e retalhos de neve cobriam os telhados, os parapeitos e as balaustradas do cais. As lâmpadas ardiam vermelhas na escuridão e, do outro lado do rio, o palácio de Four Courts surgia de maneira ameaçadora com o céu encoberto ao fundo.

Gretta caminhava à frente na companhia do sr. Bartell D’Arcy, com os sapatos em um pacote marrom enfiado debaixo do braço enquanto segurava a barra da saia para não sujá-la na neve derretida. A pose deixara de ser graciosa, porém os olhos de Gabriel ainda estavam iluminados pela felicidade. O sangue agitava-lhe as veias e os pensamentos tumultuavam-lhe a cabeça, orgulhosos, alegres, ternos, valorosos.

Gretta caminhava à frente com passos tão leves e elegantes que ele sentiu vontade de correr atrás dela em silêncio, agarrá-la pelos ombros e cochichar-lhe alguma coisa estúpida e afetuosa ao pé do ouvido. Parecia tão frágil que Gabriel teve vontade de protegê-la de alguma coisa e depois ficar a sós com ela. Momentos da vida secreta do casal brilharam como estrelas na memória dele. Um envelope cor de heliotrópio descansando ao lado da xícara de café enquanto ele o acariciava com a mão. Passarinhos pipilando na hera enquanto a teia ensolarada da cortina cintilava no assoalho: não conseguia comer de tanta felicidade. Os dois parados em uma plataforma lotada enquanto ele deixava um bilhete na palma quente de uma luva feminina. Os dois de pé em meio ao frio, vendo um homem fazer garrafas em uma fornalha estrondejante através de uma janela gradeada. Estava muito frio. O rosto dela, perfumado em meio ao ar gélido, estava próximo ao dele; e de repente ela gritou para o homem junto da fornalha:

— O fogo está muito quente, senhor?

O homem não a ouviu devido ao barulho da fornalha. Foi melhor assim. Poderia ter respondido com uma grosseria.

Uma onda de alegria ainda mais terna escapou do coração e percorreu-lhe as artérias com uma enxurrada de calor. Como o terno fogo daqueles momentos de vida a dois, que ninguém conhecia nem jamais haveria de conhecer, a onda quebrou e iluminou-lhe a memória. Ansiou por recordar aqueles momentos, por fazê-la esquecer dos anos de existência monótona a dois e relembrar apenas os momentos de êxtase. Sentia que o passar dos anos não havia arrefecido a própria alma nem a da esposa. Os filhos, os escritos dele, as tarefas domésticas dela não haviam arrefecido todo o fogo que ardia em suas almas. Numa carta enviada à esposa, Gabriel havia escrito: Por que palavras como essas me parecem tão indiferentes e tão frias? Será porque não existe outra palavra terna o bastante para ser o seu nome?

Como música distante, essas palavras escritas anos atrás ressurgiram do passado. Queria ficar a sós com ela. Quando os outros fossem embora, quando os dois estivessem juntos no quarto do hotel, então finalmente estariam a sós. Ele diria o nome dela com ternura:

— Gretta!

Talvez ela não o ouvisse: estaria se despindo. Então alguma coisa na voz do marido chamaria a atenção dela.