No esplendor do Atlântico. O senhor tem que ir conosco! O sr. Clancy vai, e também o sr. Kilkelly e Kathleen Kearney. Seria ótimo se Gretta também pudesse ir. Ela é de Connacht, não?
— A família dela, respondeu Gabriel de maneira lacônica.
— Mas o senhor vai conosco, não vai?, insistiu a srta. Ivors, pousando a mão quente no braço de Gabriel.
— Na verdade eu já estou com uma viagem marcada para –
— Para onde?, perguntou a srta. Ivors.
— Bem, como a senhorita sabe, todo ano eu faço uma viagem de bicicleta com os meus amigos e –
— Mas para onde?, perguntou a srta. Ivors.
— Em geral vamos para a França ou para a Bélgica ou quem sabe para a Alemanha, respondeu Gabriel meio sem jeito.
— Mas por que o senhor vai para a França e para a Bélgica em vez de visitar o seu próprio país?, indagou a srta. Ivors.
— Bem, disse Gabriel, em parte para manter contato com as línguas e em parte para mudar de ares.
— E o senhor não tem que manter contato com a sua própria língua — o irlandês?, perguntou a srta. Ivors.
— Bem, já que a senhorita tocou no assunto, a minha língua não é o irlandês.
As pessoas ao redor tinham se virado para escutar aquele interrogatório. Gabriel olhou nervoso para um lado e para o outro e tentou manter o bom humor mesmo durante a provação que fazia um intenso rubor tingir-lhe o rosto.
— E o senhor não tem o seu próprio país para visitar, continuou a srta. Ivors, a respeito do qual o senhor nada sabe, o seu próprio povo e o seu próprio país?
— Ah, para falar a verdade, retrucou Gabriel de repente, eu estou farto do meu próprio país!
— Por quê?, perguntou a srta. Ivors.
Gabriel não respondeu porque o retruque o havia inflamado.
— Por quê?, repetiu a srta. Ivors.
No passo seguinte, como Gabriel não respondesse, a srta. Ivors disparou, irritada:
— Claro, o senhor não tem resposta.
Gabriel tentou esconder a agitação dançando com mais energia. Evitou os olhos da parceira, pois havia percebido uma expressão azeda no rosto dela. Porém, quando voltaram a se encontrar na longa corrente em meio aos outros casais que dançavam, ficou surpreso ao sentir um forte aperto na mão. Ela o encarou com um olhar enigmático por sob as sobrancelhas durante um breve instante, até que abrisse um sorriso. Então, quando todos estavam prestes a se reunir na corrente, pôs-se na ponta dos pés e cochichou-lhe ao pé do ouvido:
— Partidário dos britânicos!
Quando a quadrilha terminou Gabriel foi para um canto remoto da sala onde a mãe de Freddy Malins estava sentada. Era uma senhora corpulenta e debilitada de cabelos brancos. A voz dela tinha uma nota similar à do filho, e a mulher gaguejava de leve. Haviam dito à senhora que Freddy tinha aparecido e que estava praticamente normal. Gabriel perguntou se ela tinha feito uma boa travessia. Morava com a filha casada em Glasgow e visitava Dublin uma vez por ano. Ela respondeu com toda a calma que tinha feito uma bela travessia e que o capitão tinha sido muito atencioso. Também falou sobre a bela casa que a filha tinha em Glasgow, e sobre as ótimas amizades que as duas tinham por lá. Enquanto a língua da senhora continuava a tagarelar, Gabriel tentou afastar todos os pensamentos relativos ao desagradável incidente com a srta. Ivors. Estava claro que aquela garota ou aquela mulher, ou o que quer que fosse, era uma entusiasta, mas havia hora para tudo.
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