Tornara-se assim uma apaixonada admiradora da música, das flores e das belas artes, graças às instruções de uma antiga confidente de sua mãe, que morreu pouco tempo depois de chegar à ilha por causa do ardente clima tropical. Com o progresso da educação, e ainda conservando no fundo da alma um pouco daquela antiga altivez, tornara-se boa, generosa e caridosa.
Não abandonara a paixão pelas armas e os exercícios violentos e, sendo uma amazona impetuosa, frequentemente percorria os grandes bosques, perseguindo até mesmo tigres ou, como uma náiade, mergulhava intrepidamente nas ondas azuis do mar malaio; mas, com maior frequência ainda podia ser vista lá, onde a miséria ou a tristeza se encontravam, prestando socorro a todos os indígenas da região, àquela gente que Lorde James odiava até a morte, por serem os descendentes dos antigos piratas.
E assim aquela menina, com sua intrepidez e bondade, e por sua beleza, merecera o apelido de Pérola de Labuan, apelido esse que voara para tão longe e fizera bater o coração do aterrorizante Tigre da Malásia. Mas naqueles bosques, longe de praticamente todas as criaturas civilizadas, a menina se tornara uma moça sem nunca se ter dado conta disso; mas quando vira o pirata orgulhoso, sem saber o porquê, experimentara uma estranha perturbação.
O que seria? Ela ignorava, mas via sempre diante de si aqueles olhos e, à noite, esse homem de aspecto tão altivo, que tinha a nobreza de um sultão e a gentileza de um cavalheiro europeu, aparecia em seus sonhos, esse homem de olhos brilhantes, longos cabelos negros e com um rosto no qual se lia nitidamente uma coragem mais que indômita e uma energia mais exclusiva do que rara.
Depois de tê-lo fascinado com seus olhos, sua voz, sua beleza, ela estava também, por sua vez, fascinada e subjugada.
No início tentara reagir contra aquelas batidas do coração que, para ela, eram novas, tão novas quanto eram para Sandokan, mas foi em vão. Sentia sempre que uma força instintiva a impelia a rever esse homem e que não conseguia mais encontrar a calma de antes, a não ser quando se encontrava perto dele; só se sentia feliz quando estava ao pé de sua cama e quando aliviava as dores agudas da ferida com sua tagarelice, seus sorrisos, sua voz inigualável e com sua mandola.
E valia a pena ver Sandokan naqueles momentos, quando ela cantava as doces canções do distante país natal, acompanhadas pelos sons delicados do instrumento melodioso.
Ele não era mais o Tigre da Malásia, não era mais o pirata sanguinário. Mudo, ofegante, úmido de suor, retendo a respiração para não perturbar com seu hálito aquela voz cristalina e melodiosa, escutava como um homem que está sonhando, como se quisesse imprimir na mente aquela língua desconhecida que o inebriava e sufocava a tortura da ferida. E quando, depois de ter vibrado uma última vez, a voz morria com a última nota da mandola, ele permanecia por muito tempo na mesma posição, com os braços apertados, como se quisesse puxar para si a jovem, com o olhar flamejante fixo no olhar úmido dela, com o coração suspenso e todo ouvidos, como se ainda estivesse saindo algum som do instrumento.
Naqueles momentos, não se lembrava mais de que era o Tigre, esquecia sua Mompracem, seus prahos, seus filhotes e o português que, naquela altura, acreditando que ele tivesse morrido, provavelmente se encontrasse a caminho da ilha para vingar a sua morte com represálias sanguinárias.
Assim os dias voavam ligeiros e a cura, poderosamente ajudada pela paixão que devorava o seu sangue, se acelerava cada vez mais.
Na tarde do décimo-quinto dia, o Lorde entrou inesperadamente e encontrou o pirata de pé, pronto para sair.
— Oh! Meu digno amigo! — exclamou alegre. — Estou muito contente em vê-lo de pé.
— Eu não conseguia mais ficar na cama, milorde — respondeu Sandokan. — Aliás, me sinto capaz de lutar contra um tigre.
— Ótimo, então vou pô-lo à prova!
— De que jeito?
— Convidando alguns bons amigos para caçar um tigre que vem com freqüência rondar perto dos muros do meu parque. Já que está curado, esta noite virei avisar se amanhã de manhã sairemos para caçar a fera.
— Já vou estar preparado, milorde.
— Acredito, mas agora me diga uma coisa, estou contando com a sua presença como meu hóspede por mais algum tempo.
— Milorde, negócios importantes me chamam em outros lugares e é preciso que eu vá embora logo.
— Ir embora! Nem pense em uma coisa dessas, os negócios sempre podem esperar e já estou avisando que não vou deixá-lo partir antes de alguns meses; vamos lá, você prometeu ficar.
Sandokan o encarou com olhos que soltavam farpas. Para ele, ficar naquela casa, perto da jovenzinha que o fascinara, era a própria vida, era tudo. Não pedia mais do que isso naquele momento.
Que importava se os piratas de Mompracem estivessem chorando a sua morte, quando poderia ver, por muitos dias mais, aquela divina menina? Que importava se o fiel Yanez talvez o estivesse procurando ansiosamente pelas praias da ilha, arriscando a própria existência, quando Marianna começava a amá-lo? E que importava se nunca mais escutasse o troar das artilharias esfumaçadas, quando ainda podia ouvir a voz deliciosa da mulher amada, ou sentir aquelas terríveis emoções de uma batalha, quando ela o levava a experimentar emoções muito mais sublimes? E que importava, enfim, se estava correndo perigo de ser descoberto, talvez preso, talvez morto, quando podia ainda respirar o mesmo ar que alimentava a sua Marianna, vivendo no meio dos grandes bosques em que ela vivia?
Esqueceria tudo para continuar assim por cem anos, a sua Mompracem, seus filhotes, seus navios e até mesmo sua vingança sanguinária.
— Está bem, milorde, vou ficar até quando o senhor quiser — disse ele impetuosamente. — Aceito a hospitalidade que o senhor me oferece com tanta cordialidade e se, por acaso, um dia, não formos mais amigos, mas sim inimigos ferrenhos com armas em punho, saberei então me lembrar do reconhecimento que devo ao senhor. Não esqueça estas palavras, milorde.
O inglês olhou para ele estupefato.
— Mas por que está falando assim? — perguntou.
— Talvez um dia o senhor fique sabendo — respondeu Sandokan, com voz grave.
— Por enquanto não vou perguntar quais são os seus segredos — disse o Lorde, sorrindo. — Vou esperar esse dia.
Puxou o relógio e conferiu a hora.
— Preciso ir depressa, se quiser avisar a tempo os meus amigos sobre a caça de amanhã. Adeus, meu caro príncipe — disse.
Estava prestes a sair, mas parou e disse:
— Se quiser descer para o parque, com certeza vai encontrar a minha sobrinha, que poderá fazer companhia a você.
— Obrigado, milorde.
Era exatamente isso que Sandokan desejava, poder ficar, mesmo que por poucos instantes, a sós com a jovem, talvez para declarar a gigantesca paixão que devorava seu coração.
Assim que o Lorde saiu, ele se aproximou rapidamente da janela que dava para o parque imenso.
Lá, à sombra de uma magnólia da China coberta de flores muito perfumadas, sentada no tronco caído de uma areca, encontrava-se a jovem Lady. Estava sozinha e parecia pensativa, com a mandola sobre os joelhos.
Para Sandokan a cena merecia ser comparada a uma visão celestial. Todo o sangue afluiu para o seu rosto e o coração começou a bater com uma força indescritível.
Ficou ali, com os olhos ardentes fixos na mocinha, retendo até mesmo a respiração, como se tivesse medo de perturbá-la.
Mas voltou para trás de um salto, lançando um grito sufocado que parecia um rugido distante. O rosto se alterou espantosamente e assumiu uma expressão feroz.
O Tigre da Malásia, até então fascinado e enfeitiçado, inesperadamente voltava a se manifestar agora que estava curado. Reaparecia o homem feroz, impiedoso, sanguinário, dono de um coração inacessível a todas as paixões.
— O que é que estou fazendo? — exclamou, com voz rouca, passando a mão na testa ardente. — Mas e se for mesmo verdade que amo aquela jovem? Foi um sonho ou uma loucura inexplicável? Que eu não seja mais o pirata de Mompracem se me sentir atraído irresistivelmente por aquela moça, filha de uma raça que jurei odiar sempre!
Eu, amar!... Eu que nunca senti outra coisa que não ímpetos de ódio e que trago o nome de uma fera sanguinária!... Será que eu poderia esquecer a minha selvagem Mompracem, os meus filhotes fiéis, o meu Yanez, que estão me esperando sabe-se lá com que ansiedade? Será que eu poderia esquecer que os compatriotas daquela jovenzinha mal podem esperar pelo momento mais favorável para acabar comigo?
Chega desta visão que me perseguiu durante tantas noites, basta desses tremores indignos do Tigre da Malásia! Vamos apagar este vulcão que arde em meu coração e que surja, em vez disso, mil abismos entre mim e aquela sereia encantadora!...
Vamos Tigre, solte o seu rugido. Esqueça o reconhecimento que você deve a essas pessoas que o curaram, vá embora, fuja para longe deste lugar e volte para aquele mar que, sem querer, atirou você nestas praias, volte a ser o temido pirata da assustadora Mompracem!
Falando assim Sandokan se erguera em frente à janela, com os punhos fechados e os dentes cerrados, tremendo inteiro de cólera.
Parecia que se tornara um gigante e que estava ouvindo a distância os urros dos seus filhotes e o ribombar da artilharia que o chamava para o combate.
No entanto, continuou ali, como se estivesse pregado em frente à janela, seguro por uma força superior à sua fúria, com os olhos ardentes de novo fixos na jovem Lady.
— Marianna! — exclamou subitamente. — Marianna!
Ao pronunciar aquele nome adorado, o extravasamento de ira e de ódio se desvaneceu como a neve caindo no chão. O Tigre voltava a ser homem e, além de tudo, apaixonado!...
As suas mãos correram involuntariamente para o gancho e abriram a janela com um gesto rápido.
Um bafo de ar quente, carregado com o perfume de mil flores, entrou no quarto.
Ao respirar aquele bálsamo perfumado o pirata se sentiu inebriado e percebeu que a mesma paixão que há pouco tempo tentara sufocar reacendia em seu coração mais forte do que nunca.
Debruçou no peitoril e admirou em silêncio, trêmulo, delirante, a bela Lady. Uma febre intensa o devorava, o fogo deslizava em suas veias, se derramando no coração, nuvens vermelhas corriam diante dos olhos, mas, mesmo entre elas, via sempre aquela que o enfeitiçara.
Quanto tempo ficou ali? Muito, sem dúvida, pois ao se levantar, a jovem Lady não se encontrava mais no parque, o sol tinha se posto, as trevas haviam descido e milhares de estrelas cintilavam no céu.
Começou a passear pelo quarto, com as mãos cruzadas no peito e a cabeça inclinada, absorto em pensamentos sinistros.
— Veja! — exclamou, retornando à janela e expondo a fronte ardente ao ar fresco da noite. — Aqui está a felicidade, uma vida diferente, uma loucura nova, doce, tranqüila; e lá, Mompracem, com uma vida tempestuosa, furacões de metais, o trovejar das artilharias, a carnificina sanguinária, os meus rápidos prahos, os meus filhotes, o meu bom Yanez!... Qual dessas duas vidas devo escolher?
E também, todo o meu sangue arde quando penso nessa jovem que fez o meu coração bater antes mesmo que eu a visse, e sinto cobre derretido correndo nas veias nesses momentos! Parece que ela tem preferência até sobre os meus filhotes e a minha vingança! E sinto vergonha de mim quando lembro que ela é filha daquela raça que odeio com tanta força! Será que conseguiria esquecê-la?
Ah! Você está sangrando, meu pobre coração, você não quer que isso aconteça?
Até agora eu era o terror destes mares, sem nunca ter conhecido o afeto, antes eu só tinha experimentado a embriaguez das batalhas e do sangue... mas sinto que daqui para frente não vou conseguir gostar de nada se estiver longe dela!...
Calou-se e começou a escutar o sussurro das folhas e a prestar atenção ao sibilo do seu sangue.
— E se entre mim e aquela mulher divina se interpusessem a floresta, depois o mar, depois o ódio?... — recomeçou ele.
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