para os abismos da terra, ou vou matar todos vocês!

E você, Giro-Batol, o que quer? A vingança? Espere um pouco, você terá a sua vingança, porque o Tigre vai se curar... vai voltar a Mompracem... armar os prahos... e virá aqui para exterminar todos os leopardos ingleses... todos, até o último deles!...

O pirata se interrompeu, com as mãos nos cabelos, os olhos girando nas órbitas, as feições assustadoramente alteradas, em seguida se levantou de um pulo, e começou a correr de novo como um louco, gritando:

— Sangue!... Quero sangue para saciar a minha sede!... Eu sou o Tigre da Malásia...

Correu por muito tempo, sempre gritando e ameaçando. Saiu da floresta e se precipitou por uma pradaria, em cuja extremidade pensou ter visto confusamente uma paliçada. Deteve-se mais uma vez, caindo sobre os joelhos. Estava exausto, ofegante.

Permaneceu assim alguns instantes, encolhido sobre si mesmo, depois ainda tentou se levantar, mas as forças escaparam de uma vez, uma névoa de sangue cobriu seus olhos e tombou por terra, emitindo um último grito que se perdeu nas trevas.

 


 

Piratas dayachi.

6. Lorde James Guillonk

Quando voltou a si, para sua grande surpresa não se encontrava mais na pequena pradaria que atravessara durante a noite, e, sim, em um quarto espaçoso, coberto de papel florido de Tungue, estendido sobre uma cama confortável e macia.

A primeira impressão foi a de estar sonhando. Ele esfregou várias vezes os olhos como se estivesse

querendo acordar, mas logo se convenceu de que tudo era verdade.

Sentou-se na cama, perguntando sem parar:

— Mas onde estou? Ainda estou vivo ou já morri? — Olhou em torno, mas não viu ninguém a quem pudesse se dirigir.

Começou, então, a observar atentamente o quarto; era amplo, elegante, iluminado por duas grandes janelas, por onde se podiam ver árvores altíssimas.

Em um dos cantos viu um piano, sobre o qual estavam espalhadas partituras; em outro, um cavalete com um quadro representando uma marinha; no centro, uma mesa de mogno com um trabalho decorativo em cima, sem dúvida feito pelas mãos de uma mulher e, próximo à cama, um banquinho com entalhes de ébano e de marfim, sobre o qual Sandokan viu algo que lhe produziu um enorme bem-estar, seu kriss e, próximo a ele, um livro semi-aberto, com uma flor aparecendo entre as páginas.

Prestou atenção, mas não ouviu nenhuma voz; no entanto, ouviam-se sons delicados a distância, que pareciam ser os acordes de uma mandola ou de uma viola.

— Mas onde estou? — se perguntou mais uma vez. — Na casa de um amigo ou de um inimigo?

Imediatamente seus olhos caíram de novo sobre o livro que estava em cima do banquinho e, impelido por uma curiosidade irresistível, estendeu a mão e o pegou. Na capa havia um nome impresso em letras de ouro.

— Marianna! — leu ele. — O que quer dizer isso? É um nome ou uma palavra que eu não entendo?

Leu de novo e, coisa estranha, foi agitado por uma sensação desconhecida. Um sentimento doce atingiu o coração daquele homem, aquele coração duro como aço e que permanecia fechado para as maiores emoções.

Abriu o livro: estava coberto por uma escrita leve, elegante e nítida, mas ele não conseguiu compreender aquelas palavras, embora algumas lembrassem expressões da língua do português Yanez. Sabendo que não devia, mas impelido por uma força misteriosa, pegou delicadamente aquela flor que vira há pouco e a observou por longo tempo. Cheirou-a várias vezes, procurando não estragá-la com aqueles dedos acostumados a segurar a empunhadura da cimitarra, experimentando pela segunda vez uma sensação estranha no coração, uma vibração misteriosa, uma coisa desconhecida; a seguir, aquele homem sanguinário, aquele homem da guerra, se viu tomado por um vivo desejo de levá-la aos lábios!...

Recolocou-a quase que com desagrado entre as páginas, fechou o livro e o pôs de novo em cima do banquinho. Foi a tempo: a maçaneta da porta girou e um homem entrou no quarto, caminhando lentamente e com aquela rigidez característica dos homens da raça anglo-saxã.

Tratava-se de um europeu, a julgar pela cor da pele, de estatura razoavelmente alta e bem constituída. Aparentava ter cerca de cinquenta anos, o rosto era emoldurado por uma barba ruiva que começava a ficar grisalha, os olhos azuis, profundos, e o conjunto indicava ser um homem acostumado a comandar.

— Estou satisfeito em vê-lo tranquilo; há três dias que o delírio não lhe dava um minuto de descanso.

— Três dias! — exclamou Sandokan pasmo. — Três dias que estou aqui?... Mas então não estou sonhando?

— Não, não está sonhando. Você se encontra entre pessoas boas que cuidaram de você com afeto e que farão o possível para curá-lo.

— Mas quem é o senhor?

— Lorde James Guillonk, capitão de navio de Sua Majestade, a Rainha Vitória.

Sandokan teve um sobressalto e sua expressão se fechou, mas se acalmou imediatamente e, fazendo um esforço supremo para não trair o ódio que trazia por tudo o que era inglês, disse:

— Muito obrigado, milorde, por tudo o que fez por mim, por um desconhecido que poderia ser seu inimigo mortal.

— Era meu dever acolher em minha casa um pobre homem ferido, talvez mortalmente — respondeu o Lorde. — Como se sente agora?

— Estou bem mais forte e não sinto dor.

— Fico feliz com isso, mas diga, se não for muito desagradável, quem o deixou nessas condições? Além da bala que extraíram do peito, seu corpo todo estava coberto de feridas produzidas por armas brancas.

Sandokan, embora esperasse essa pergunta, não pôde evitar um forte estremecimento. No entanto, não se traiu, nem perdeu o ânimo.

— Não sei se deveria realmente contar — respondeu. — Vi homens despencando à noite em meus navios, nos abordando e massacrando os meus marinheiros. Quem eram? Não sei, pois depois da primeira colisão, fui jogado ao mar coberto de feridas.

— Sem dúvida você foi atacado pelos filhotes do Tigre da Malásia — disse Lorde James.

— Por piratas?... — exclamou Sandokan.

— Acho que sim, por aqueles de Mompracem que há três dias vagavam pelos arredores da ilha, mas que foram destruídos por um de nossos cruzadores. Diga, onde foi o ataque?

— Perto das ilhas Romades.

— E chegou às nossas costas a nado?

— Cheguei, agarrado a um destroço. Mas onde me encontraram?

— Deitado entre as árvores, tomado por um delírio tremendo.