Quem foi que pagou? Que figura

tinha o homem? Baixo? Não é possível que fosse baixo; a ação é tão sublime que nenhum homem baixo

podia praticá-la. Confessa que era alto. Confessa ao menos que era de meia altura. Confessas? Ainda

bem! Como se chama? Guimarães? Rapazes, vamos perpetuar este nome em uma placa de bronze.

Acredito que não lhe deste recibo, Chico.

— Dei, sim, senhor.

— Recibo! Mas a um assinante que paga não se dá recibo, para que ele pague outra vez, não se matam

esperanças, Chico.

Tudo isto, dito por ele, tinha muito mais graça que contado. Não te posso pintar os gestos, os olhos e um

riso que não ria, um riso único, sem alterar a face, nem mostrar os dentes. Essa feição era a menos

simpática; mas tudo o mais, a fala, as idéias, e principalmente a imaginação fecunda e moça, que se

desfazia em ditos, anedotas, epigramas, versos, descrições, ora sério, quase sublime, ora familiar, quase

rasteiro, mas sempre original, tudo atraía e prendia. Trazia a barba por fazer, o cabelo à escovinha, a testa,

que era alta, tinha grossas rugas verticais. Calado, parecia estar pensando. Voltava-se a miúdo no sofá,

erguia-se, sentava-se, tornava a deitar-se. Lá o deixei, quando saí, às nove horas da noite.

Comecei a freqüentar a casa da Rua do Lavradio, mas durante os primeiros dias não apareceu o Elisiário.

Disseram-me que era muito incerto. Tinha temporadas. Às vezes, ia todos os dias; repentinamente,

falhava uma, duas, três semanas seguidas, e mais. Era professor de latim e explicador de matemáticas.

Não era formado em cousa nenhuma, posto estudasse engenharia, medicina e direito deixando em todas

as faculdades fama de grande talento sem aplicação. Seria bom prosador, se fosse capaz de escrever vinte

minutos seguidos; era poeta de improviso, não escrevia os versos, os outros é que os ouviam e

transladavam ao papel, dando-lhe cópias, muitas das quais perdia. Não tinha família; tinha um protetor, o

Dr. Lousada, operador de algum nome, que devera obséquios ao pai de Elisiário, e quis pagá-los ao filho.

Era atrevido por causa de uma sombrinha de amor-próprio, que não tolerava a menor picada. Naquela

casa era bonachão. Trinta e cinco anos; o mais velho dos rapazes contava apenas vinte e um. A

familiaridade entre ele e os outros era como a de um tio com sobrinhos, um pouco menos de autoridade,

um ponco mais de liberdade.

No fim de uma semana, apareceu E!isiário na Rua do Lavradio. Vinha com a idéia de escrever um drama,

e queria ditá-lo. Escolheram-me a mim, por escrever depressa.