A porta abriu-se, e apareceu este homem, alto e sério, moreno, metido numa infinita

sobrecasaca cor de rapé, que os rapazes chamavam opa.

— Aí vem a opa do Elisiário.

— Entre a opa só.

— Não, a opa não pode; entre só o Elisiário, mas, primeiro há de glosar um mote. Quem dá o mote?

Ninguém dava o mote. A casa era uma simples sala, sublocada por um alfaiate, que morava nos fundos

com a família; Rua do Lavradio, 1866. Era a segunda vez que ia ali, a convite de um dos rapazes. Não

podes ter idéia da sala e da vida. Imagina um município do país da Boêmia, tudo desordenado e confuso;

além dos poucos móveis pobres, que eram do alfaiate, havia duas redes, uma canastra, um cabide, um baú

de folha-de-flandres, livros, chapéus, sapatos. Moravam cinco rapazes, mas apareciam outros, e todos

eram tudo, estudantes, tradutores, revisores, namoradores, e ainda lhes sobrava tempo para redigir uma

folha política e literária, publicada aos sábados. Que longas palestras que tínhamos! Solapávamos as bases

da sociedade, descobríamos mundos novos, constelações novas, liberdades novas. Tudo era o novíssimo.

— Lá vai mote, disse afinal um dos rapazes, e recitou:

Podia embrulhar o mundo

A opa do Elisiário.

Parado à porta, o homem cerrou os olhos por alguns instantes, abriu-os, passou pela testa o lenço que

trazia fechado na mão, em forma de bolo, e recitou uma glosa de improviso. Rimo-nos muito; eu, que não

tinha idéia do que era improviso, cuidei a princípio que a composição era velha e a cena um logro para

mim. Elisiário despiu a sobrecasaca, levantou-a na ponta da bengala, deu duas voltas pela sala, com ar

triunfal, e foi pendurá-la a um prego, porque o cabide estava cheio. Em seguida, atirou o chapéu ao tecto,

apanhou-o entre as mãos, e foi pô-lo em cima do aparador.

— Lugar para um! disse finalmente.

Dei-me pressa em ceder-lhe o sofá; ele deitou-se, fincou os joelhos no ar, e perguntou que novidades

havia.

— Que o jantar é duvidoso, respondeu o redator principal do Cenáculo; o Chico foi ver se cobrava

alguma assinatura. Se arranjar dinheiro, traz logo o jantar da casa de pasto. Você já jantou?

— Já e bem, respondeu Elisiário, jantei numa casa de comércio. Mas vocês por que é que não vendem o

Chico? é um bonito crioulo. É livre, não há dúvida, mas por isso mesmo compreenderá que, deixando-se

vender como escravo, terão vocês com que pagar-lhe os ordenados... Dous mil-réis chegam? Romeu, vê

ali no bolso da sobrecasaca. Há de haver uns dous mil-réis.

Havia só mil e quinhentos, mas não foram precisos. Cinco minutos depois voltava o Chico, trazendo um

tabuleiro com o jantar e o resto da assinatura de um semestre.

— Não é possível! bradou Elisiário. Uma assinatura! Vem cá Chico.