Esta colaboração mental e manual durou

duas noites e meia. Escreveu-se um ato e as primeiras cenas de outro; Elisiário não quis absolutamente

acabar a peça. A princípio disse que depois, mais tarde, estava indisposto, e falava de outras cousas;

afinal, declarou-nos que a peça não prestava para nada. Espanto geral, porque a obra parecia-nos

excelente, e ainda agora creio que o era. Mas o autor pegou da palavra e demonstrou que nem o escrito

prestava, nem o resto do plano valia cousa nenhuma. Falou como se tratasse de outrem. Nós

contestávamos; eu principalmente achava um crime, e repetia esta palavra com alma, com fogo — achava

um crime não acabar o drama, que era de primeira ordem.

— Não vale nada, dizia ele sorrindo para mim com simpatia. Menino, você quantos anos tem?

— Dezoito.

— Tudo é sublime aos dezoito anos. Cresça e apareça. O drama não presta; mas, deixe estar que havemos

de escrever outro daqui a dias. Ando com uma idéia.

— Sim?

— Uma boa idéia, continuou ele com os olhos vagos; essa, sim, creio que dará um drama. Cinco atos;

talvez faça em verso. O assunto presta-se...

Nunca mais falou em tal idéia; mas o drama começado fez com que nos ligássemos um pouco mais

intimamente. Ou simpatia, ou amor-próprio satisfeito, por ver que o mais consternado com a interrupção e

condenação do trabalho fui eu, — ou qualquer outra causa que não achei nem vale a pena buscar, Elisiário

entrou a distinguir-me entre os outros. Quis saber quem eram meus pais e o que fazia. Disse-lhe que não

tinha mãe, meu pai era lavrador em Baturité, eu estudava preparatórios, intercalando-os com versos, e

andava com idéias de compor um poema, um drama e um romance. Tinha já uma lista de subscritores

para os versos. Parece que, de envolta com as notícias literárias, alguma cousa lhe disse ou ele percebeu

acerca dos meus sentimentos de moço. Propôs-se a ajudar-me nos estudos com o seu próprio ensino,

latim, francês, inglês, história... Cheio de orgulho, não menos que de sensibilidade, proferi algumas

palavras que ele gostou de ouvir, e a que respondeu gravemente:

— Quero fazer de você um homem.

Estávamos sós; eu nada contei aos outros, para os não molestar, nem sei se eles perceberam daí em diante

alguma diferença no trato do Elisiário, em relação a mim. É certo, porém, que a diferença não era grande,

nem o plano de "fazer-me um homem" foi além da simpatia e da benevolência. Ensinava-me algumas

matérias, quando eu lhe pedia lições, e eu raramente as pedia. Queria só ouvi-lo, ouvi-lo, ouvi-lo até não

acabar. Não imaginas a eloqüência desse homem, cálida e forte, mansa e doce, as imagens que lhe

brotavam no discurso, as idéias arrojadas, as formas novas e graciosas. Muita vez ficávamos os dous sós

na Rua do Lavradio, ele falando, eu ouvindo.