Cala-te!
Tremal-Naik levantou a cabeça e voltou-se, perscrutando com atenção a massa negra dos bambus, mas não viu ninguém. Apurou os ouvidos, retendo a respiração, e estremeceu. Na direcção indicada pelo marata ouvia-se um ténue murmúrio; dir-se-ia que uma mão afastava com suma precaução as largas folhas em forma de coração das gigantescas plantas.
— Alguém se aproxima—murmurou ele.—não te mexas, Kammamuri.
O ruído aumentava, aproximando-se, mas muito lentamente. Pouco depois viram um bambu dobrar-se e aparecer um indiano, que se curvou para a terra, levando a mão à orelha. Ficou assim durante um minuto, depois levantou-se e pareceu farejar o ar.
— Gary!—murmurou ele.
Um segundo indiano saiu dos bambus, a seis passos de distância do primeiro.
— Ouves alguma coisa?—perguntou o recém-chegado.
— Absolutamente nada.
— E, no entanto, pareceu-me que alguém falava.
— Talvez te tenhas enganado. Há cinco minutos que aqui estou, com os ouvidos bem abertos. Estamos numa pista falsa.
— Onde estão os outros?
— Estão à nossa frente, Gary. Receia-se que os homens que ousaram desembarcar aqui tentem um golpe de mão sobre o pagode.
— Com que finalidade?
— Há quinze dias, a "virgem do pagode" encontrou um homem. Foram vistos por um dos nossos a fazer sinais um ao outro.
— E para quê?
— Julga-se que o homem quer libertar a "virgem".
— Oh! Que horrível delito!—exclamou o indiano chamado Gary.
— Esta noite, um indiano, companheiro do miserável que ousou levantar os olhos para a "virgem" da nossa venerável deusa, desembarcou. Sem dúvida vinha espiar.
— Mas esse indiano foi estrangulado.
— Sim, mas atrás dele desembarcaram outros homens, um dos quais assassinou o nosso sacerdote.
— E quem é esse homem que olhou no rosto a "virgem"?
— Um homem formidável, Gary, e capaz de tudo: é um caçador de serpentes da floresta negra.
— É preciso que morra.
— Morrerá, Gary; por muito que ele corra. Havemos de alcançá-lo e os nossos laços estrangulá-lo-ão. Agora, tu partes e caminhas a direito até chegares à margem do rio; eu vou para o pagode, a velar pela "virgem". Adeus, e que a deusa te proteja.
Os dois indianos separaram-se, tomando caminhos diferentes. Assim que o rumor cessou, Tremal-Naik, que tinha ouvido tudo, levantou-se.
— Kammamuri—disse ele, vivamente emocionado—,é preciso que nos separemos. Tu ouviste-os: eles sabem que eu desembarquei e procuram-me.
— Ouvi tudo, patrão.
— Tu segues o indiano que se dirige para o rio e logo que possas passas para a outra margem. Eu sigo o outro.
— Tu escondes-me qualquer coisa, patrão. Porque não vens também tu para a margem do rio?
— Tenho de ir ao pagode.
— Oh! Não faças isso, patrão!
— É uma decisão irrevogável. No pagode está escondida a mulher que me enfeitiçou.
— E se te matam?
— Matar-me-ão ao lado dela e eu morrerei feliz. Parte, Kammamuri, parte, que a febre começa a apoderar-se de mim.
Kammamuri soltou um profundo suspiro, que mais parecia um gemido, e levantou-se.
— Patrão—disse, com voz comovida—onde voltaremos a ver-nos?
— Na cabana, se eu escapar à morte. Vai.
O marata meteu-se pela selva dentro, seguindo o rasto do indiano, em direcção à margem. Tremal-Naik ficou ali a olhá-lo, com os braços cruzados sobre o peito e o rosto ensombrado.
— “E agora”,—disse ele, levantando altivamente a cabeça, quando o marata desapareceu da sua vista,—“desafiemos a morte!”
Pôs a carabina a tiracolo, lançou um último olhar à sua volta e afastou-se, a passos rápidos e silenciosos, seguindo o rasto do segundo indiano, que não devia estar muito afastado.
O caminho era difícil e muito confuso. O terreno encontrava-se coberto, até onde a vista alcançava, por uma espessa rede de bambus, que se erguiam até uma altura verdadeiramente extraordinária.
Havia os chamados bons tulda, cobertos de folhas enormes, os quais, em menos de trinta dias, sobem a uma altura que ultrapassa os vinte metros e atingem uma grossura de trinta centímetros.
Os behar bons, com apenas um metro de altura, de tronco oco, mas resistente e armado de longos espinhos, e uma variedade inúmera de outros bambus, comummente conhecidos nas Sunderbunds pelo nome genérico de bons, eram tão bastos que se tornava necessário utilizar o cutelo para abrir passagem entre eles.
Um homem que não tivesse prática daqueles lugares ter-se-ia, sem dúvida, perdido no meio daquela flora gigantesca e encontrar-se-ia na impossibilidade de dar um passo sem fazer barulho; mas Tremal-Naik nascera e crescera na selva e movia-se nela com surpreendente rapidez e segurança, sem fazer o mínimo ruído.
Não caminhava, pois isso era absolutamente impossível. Mas rastejava como um réptil, deslizando entre as plantas sem nunca se deter, sem nunca hesitar sobre o caminho a seguir. De quando em quando colava a orelha ao solo e estava certo de não perder o rastro do indiano que o precedia, pois o terreno transmitia-lhe os passos dele, por muito rápidos que fossem.
Percorrera já mais de uma milha quando se apercebeu de que o indiano tinha subitamente parado. Apoiou três ou quatro vezes a orelha, mas o terreno não lhe transmitia qualquer rumor; levantou-se, escutando com profunda atenção, mas nenhum murmúrio lhe chegou. Tremal-Naik começou a ficar inquieto.
“Que aconteceu?”, murmurou ele, olhando à sua volta. “Talvez tenha dado conta de que o sigo? Estejamos em guarda!”
Percorreu ainda três ou quatro metros rastejando, depois levantou a cabeça, mas voltou logo a baixá-la. Tinha batido num corpo mole que pendia do alto e que logo se retirara.
“Oh!”, disse ele.
Um pensamento terrível atravessou-lhe a mente. Deitou-se prontamente de lado, desembainhando o cutelo e olhando para cima.
Não viu nada, ou, pelo menos, não lhe pareceu ver nada. E, no entanto, estava certo de ter chocado com qualquer coisa que não devia ser uma folha de bambu.
Ficou durante alguns minutos imóvel como uma estátua.
“Um pitão!”, exclamou de súbito, sem, no entanto, se assustar.
No meio dos bambus ouvira-se de repente um rumor; depois, um corpo escuro, longo, sinuoso, desceu, ondulando por uma daquelas plantas.
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