Entretanto, no sentido pleno da palavra, Solomon Kane não era um puritano, embora ponderasse dessa maneira sobre si mesmo.

Le Loup encolheu os ombros:

– Poderia entender se tivesse feito algum mal à sua pessoa. Mon Dieu! Eu também teria seguido um inimigo por todo o mundo se fosse o caso; entretanto, até o dia em que o enganei facilmente jamais tinha ouvido falar de você. Foi o senhor que declarou guerra contra mim.

Kane ficou em silêncio, possuído por sua fúria, sem perceber que Le Loup era mais do que um mero inimigo. O bandido simbolizava todas as coisas contra as quais o puritano lutara durante toda a vida: crueldade, ultraje, opressão e tirania.

Le Loup se intrometeu nas meditações vingativas do oponente:

– O que você fez com o tesouro que, pelos deuses do Hades, levei anos para acumular? Que o demônio o carregue! Só tive tempo para pegar um punhado de moedas e bugigangas quando fugi.

– Peguei o tanto que precisava para caçá-lo. O resto dei aos aldeões que você tinha saqueado.

– Santos e demônios! Monsieur, você é o maior tolo que já encontrei. Desperdiçar aquele vasto tesouro... Por Satanás, enfureço-me de pensar que tudo aquilo está nas mãos de camponeses e aldeões vis – praguejou Le Loup antes de gargalhar. – Ha! Ha! Ha! Ha! Eles irão roubar e matar uns aos outros por causa desse ouro! É a natureza humana.

– Sim, maldito seja – inflamou-se Kane repentinamente, mostrando que tinha recobrado parte de sua consciência. – Sem dúvida, irão fazer isso mesmo, tolos que são. Mas o que eu podia fazer? Se deixasse o tesouro ali, as pessoas poderiam ter morrido de fome. Além disso, se o ouro tivesse sido encontrado na caverna, a pilhagem e a matança teriam ocorrido da mesma maneira. A culpa, porém, é toda sua; se aquele tesouro ficasse nas mãos de seus donos por direito, tal problema não teria acontecido.

Le Loup sorriu sem responder. Como Kane não era um homem infame, suas raras profanações tinham efeito em dobro nos ouvintes e sempre os assustavam, independentemente de quão brutos ou maldosos eles fossem.

Foi Kane quem falou a seguir.

– Por que fugiu de mim mundo afora? Você não me teme de fato.

– Não, você está certo. De fato, eu não sei; talvez fugir seja um hábito difícil de ser quebrado. Errei quando não o matei naquela noite nas montanhas. Tenho certeza de que poderia tê-lo vencido em uma luta justa; contudo, nunca pensei, nem mesmo agora, em emboscá-lo. De algum modo, não tinha o desejo de encontrá-lo, monsieur; um capricho meu, mero capricho. Mon Dieu! Quem sabe eu tenha apreciado essa nova sensação, e confesso que cheguei a pensar que já havia esgotado todas as emoções da minha vida. Acredito que um homem precisa ser ou o caçador ou a caça. Até agora, monsieur, fui caçado, mas estava ciente de meu papel... Achei que não o veria mais no meu encalço.

– Um escravo africano contou ao capitão de um navio português sobre um homem branco que desceu de um galeão espanhol e ganhou a selva. Quando soube disso, contratei o navio, pagando o capitão para trazer-me até aqui.

Monsieur, eu o admiro por sua determinação, mas você tem que me admirar também! Sozinho cheguei até esta vila e, sozinho, entre tantos selvagens e canibais, eu, com um leve conhecimento da língua aprendida com um escravo a bordo, ganhei a confiança do rei Songa e suplantei aquele mascarado, N’Longa. Sou um homem mais corajoso que você, monsieur, pois não tenho um navio para o qual me retirar, e você ainda tem um à sua espera.

– Admiro a sua coragem – disse Kane –, mas você se satisfaz por reinar entre canibais. Você é a alma mais negra dentre todos. Pretendo retornar ao meu próprio povo após matá-lo.

– Sua confiança seria admirável se não fosse divertida. Gulka, ho!

Um gigante negro se colocou entre ambos. Ele era o maior homem que Kane havia visto em sua vida, embora se movesse com leveza e agilidade. Seus braços e pernas eram grossos como árvores, com músculos maciços e sinuosos que ondulavam a cada movimento. Sua cabeça animalesca, escorada entre ombros colossais, era enorme, e as grandes mãos escuras pareciam garras poderosas.