Fronte inclinada acima dos olhos bestiais, nariz achatado e lábios grossos e vermelhos completavam aquela figura de primitiva selvageria.
– Este é Gulka, o matador de gorilas – disse Le Loup. – Foi ele quem o nocauteou no meio da trilha. Você mesmo é um felino, monsieur, mas tem sido vigiado por muitos olhos desde que seu navio foi avistado. A não ser que tivesse todas as capacidades de um leopardo, jamais teria visto ou escutado Gulka. Ele caça as feras mais terríveis e habilidosas das florestas nativas, por toda a região norte; bestas que caminham como homens, como aquela que ele matou alguns dias atrás.
Kane, seguindo os dedos de Le Loup, avistou uma curiosa carcaça parecida com um homem, pendendo das vigas do teto de uma cabana. Uma extremidade dentada trespassava o corpo da coisa, mantendo-a lá. Kane mal podia distinguir suas características à luz tênue do fogo, mas havia uma estranha semelhança humana naquela coisa peluda e hedionda.
– Uma fêmea de gorila que Gulka matou e trouxe ao nosso vilarejo – esclareceu Le Loup.
O gigante negro aproximou-se de Kane e olhou dentro dos olhos do homem branco. Kane devolveu o olhar de forma ameaçadora e, então, o negro mirou o chão, mal-humorado, e recuou alguns passos. A expressão feroz do puritano apunhalou a alma do matador de gorilas, que, pela primeira vez na sua vida, sentiu medo. Para dissipá-lo, Gulka lançou um olhar desafiador à sua volta e, com inesperada selvageria, golpeou o próprio peito colossal ressonantemente, sorriu cavernoso e flexionou os poderosos braços. Ninguém falou nada. A cena foi primordialmente bestial, e os demais, que eram mais desenvolvidos, observaram tudo com sentimentos diversos de espanto, tolerância ou desprezo.
Gulka mirou Kane furtivamente para ver se o homem branco ainda o encarava; então, com um repentino rugido, mergulhou para a frente e arrastou um homem para o semicírculo. Enquanto a vítima tremia e implorava por misericórdia, o gigante o arremessou sobre o altar bruto, diante do ídolo sombrio. Uma lança se ergueu e afundou em seu peito, cessando os guinchos. O Deus Negro contemplava o morto. Suas feições monstruosas pareciam lúbricas à luz do fogo, enquanto ele sorvia o líquido de uma taça. Estaria o Deus Negro satisfeito com o gole... com o sacrifício?
Gulka virou-se e parou diante de Kane, exibindo a lança ensanguentada diante do rosto do homem branco. Le Loup riu. Então, de repente, N’Longa apareceu de lugar nenhum; apenas ficou em pé ali, ao lado do poste onde Kane estava amarrado. Uma vida inteira estudando a arte da ilusão havia dado ao homem ju-ju um conhecimento altamente técnico de aparecer e desaparecer – mas, no final das contas, consistia apenas em cronometrar a atenção do público. Ele afastou Gulka para o lado com um grande gesto, e o homem-gorila escapuliu, aparentemente para fugir do olhar de N’Longa... Com incrível rapidez, porém, retornou e golpeou o feiticeiro com um terrível tapa na cabeça. N’Longa caiu como um boi abatido e, em um instante, já havia sido agarrado e amarrado a um poste próximo a Kane. Um murmúrio elevou-se entre a multidão, que esmoreceu ao ver o rei Songa encará-la raivosamente. Le Loup inclinou-se de seu trono e gargalhou de forma ruidosa.
– A trilha acaba aqui, monsieur Galahad. Aquele tolo ancião achava que eu não sabia sobre suas tramoias. Escondido do lado de fora da cabana, escutei a interessante conversa que os dois tiveram. Ha! Ha! Ha! Ha! O Deus Negro precisa beber, monsieur, mas eu persuadi Songa a queimar ambos; isso será muito mais divertido, embora temo que tenhamos de renunciar ao banquete de costume.
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