A coisa cambaleou incerta diante de um amplo semicírculo, com os braços abertos que se agitavam grotescamente buscando equilíbrio, até que se virou para mirar os dois tronos – e o Deus Negro. Um galho em chamas aos pés de Kane estalou como o estrondo de um canhão no tenso silêncio. O horror jogou um pé à frente – ele deu um passo vacilante – e depois outro. Então, com passos irregulares e autômatos, as pernas afastadas, o morto seguiu na direção de Le Loup e de Songa, que estavam sem fala, horrorizados, um de cada lado do Deus Negro.

– Ahhh! – veio o suspiro explosivo de algum lugar no meio do semicírculo, onde se ajoelhavam os adoradores fascinados pelo terror. O espectro sinistro seguiu em linha reta e, quando estava a três passos dos tronos, Le Loup enfrentou o medo pela primeira vez em sua vida sanguinária, aninhando-se em sua cadeira. Songa, com um esforço sobre-humano, rompeu as correntes invisíveis que o mantinham indefeso e, rasgando a noite com um grito selvagem, ficou de pé, com uma lança erguida, e vociferou uma ameaça selvagem. Como a coisa pavorosa não deteve seu avanço, ele arremessou a arma com todo o poder de seus amplos músculos, e a ponta afiada irrompeu pelo peito do cadáver com um lacerar de carne e ossos. Mesmo assim, a coisa não parou nem por um instante – porque os mortos não morrem –, e o rei Songa ficou congelado, de braços estendidos, tentando afastar aquele terror.

Por um instante, o tempo parou diante da luz do fogo saltitante e sob o luar misterioso, gravando a cena para sempre nas mentes dos que a observaram. Os olhos imutáveis do cadáver fitaram dentro das órbitas arregaladas de Songa, que refletiam todos os infernos do horror. Então, com um movimento indolente, os braços da coisa se ergueram, e duas mãos mortas caíram sobre os ombros de Songa. Ao primeiro toque, o rei pareceu se encolher e murchar, e deu um grito que assombraria os sonhos de todos os presentes até o final dos tempos. Songa se amarrotou e caiu no mesmo instante em que o morto cambaleou hirto e tombou com ele. Os dois permaneceram inertes aos pés do Deus Negro. Para a mente entorpecida de Kane, parecia que os grandes olhos inumanos do ídolo estavam fixos neles, com uma gargalhada terrível e silenciosa.

No momento em que o rei caiu, um forte grito partiu dos negros, e Kane, com uma claridade emprestada pelas profundezas do ódio à sua mente subconsciente, viu Le Loup pular de seu trono e desaparecer nas trevas. Então, sua visão foi borrada por uma correria de figuras amedrontadas que passaram pelo espaço diante do deus. Pés jogaram de lado as brasas, desfazendo a fogueira, cujas chamas Kane até mesmo se esquecera, e mãos escuras o libertaram; outros soltaram o feiticeiro e o deitaram no chão. Kane entendeu que os negros acreditavam que aquilo era trabalho de N’Longa, uma vingança terrível. Ele se inclinou e colocou a mão no ombro do feiticeiro. Não havia dúvida: estava morto, com sua carne já gelada. O puritano olhou para os demais cadáveres. Songa estava morto também, e a coisa que o assassinara jazia agora sem moção.

Kane começou a se levantar, mas então parou, pensando se estaria sonhando ou se, de fato, sentira um súbito calor na pele que havia tocado. Com a mente titubeando, mais uma vez ele tocou o corpo do feiticeiro e, lentamente, sentiu um calor possuir os membros, e o sangue tornar a fluir pelas veias.

Então, N’Longa abriu os olhos e fitou Kane, com a expressão vazia de um recém-nascido. O inglês o observou com arrepios na pele e viu aquele resplendor reptiliano retornar, enquanto os lábios do mago abriam um sorriso amplo. N’longa sentou-se, e um estranho cântico emergiu dos negros.

Kane olhou à sua volta. Todos estavam se ajoelhando, oscilando os corpos para a frente e para trás, e, em seus gritos, o puritano captou uma palavra – “N’Longa! N’Longa!” – sendo repetida indefinidamente, como um refrão de adoração e temor. Quando o feiticeiro se levantou, todos caíram prostrados. N’Longa consentiu com a cabeça, mostrando-se satisfeito.

– Grande feiticeiro ju-ju sou eu! – ele anunciou para Kane. – Você vê? Meu espírito sai... Mata Songa... Retorna para mim! Grande magia! Grande feiticeiro, eu!

Kane olhou de relance para o Deus Negro, espreitando nas sombras, e de volta para N’Longa, que agora abria seus braços em direção ao ídolo, como em uma invocação.