“Eu sou para sempre”, Kane pensou ter ouvido seu ídolo dizer. “Eu bebo, não importa quem governe; chefes, matadores, feiticeiros, eles passam como fantasmas dos mortos pela selva cinzenta; eu permaneço, eu governo. Sou a alma da selva”, disse o Deus Negro.

De repente, Kane deixou de vagar pelas névoas da ilusão.

– O homem branco. Em que direção ele seguiu?

N’Longa gritou algo. Um grupo de mãos negras apontou para um lado; de algum lugar, o florete de Kane retornou e lhe foi devolvido. As brumas haviam desaparecido; mais uma vez ele era o vingador, o flagelo dos injustos. Com a velocidade vulcânica de um tigre, ele apanhou sua espada e partiu.

5. O fim da trilha vermelha

Galhos e videiras golpeavam a face de Kane. O calor opressivo da noite tropical erguia-se como neblina ao seu redor. A Lua, agora flutuando alta, iluminava a selva, delineava as sombras negras com seu brilho branco e modelava o chão da mata em desenhos grotescos. Kane não sabia se o homem que buscava estava à sua frente, mas galhos quebrados e arbustos pisoteados mostravam que alguém tomara aquele caminho, alguém que passara com pressa, sem parar para escolher o rumo. Kane seguiu esses sinais com determinação.

Acreditando na justiça de sua vingança, ele não duvidou que os seres sombrios que governam os destinos dos homens finalmente o colocariam face a face com Le Loup. Atrás dele, os tambores cresciam e diminuíam. Quantas histórias teriam para contar sobre aquela noite! O triunfo de N’Longa, a morte do rei negro, o destronar do homem-com-olhos-de-leopardo e, ainda mais sombria, uma fábula a ser sussurrada em vibrações mais baixas: o inominável ju-ju.

Teria ele sonhado? Kane se perguntava enquanto seguia em frente. Seria tudo parte de um sonho tenebroso? Havia visto um morto se levantar, matar e morrer novamente; ele vira um homem ser assassinado e voltar à vida. N’Longa, de fato, enviara seu espírito, sua essência vital através do vácuo, dominando um cadáver para cumprir sua vontade? Sim, N’Longa morreu de verdade ali, amarrado ao poste de tortura, e aquele que jazia morto no altar se levantou e agiu como N’Longa teria feito se estivesse livre. Então, a força invisível que animava o morto desapareceu, e N’Longa viveu de novo.

Sim, Kane pensou, ele tinha que admitir tal fato. Em algum lugar dos recessos sombrios da selva e do rio, N’Longa havia tropeçado no maior de todos os segredos – o segredo do controle da vida e da morte – e superado as algemas e limitações da pele. Como aquela sabedoria tenebrosa, nascida da escuridão e das sombras manchadas de sangue naquela terra terrível, poderia ter sido dada ao feiticeiro? Qual sacrifício haveria sido tão amável ao Deus Negro? Qual ritual tão monstruoso teria acontecido a ponto de fazê-lo ceder o conhecimento daquela magia? Quais jornadas impensadas e intemporais N’Longa teria empreendido ao decidir transferir seu ego e enviar seu espírito através dos países nebulosos alcançados somente pela morte?

Há sabedoria nas sombras, cantavam os tambores. Sabedoria e magia. Mergulhe nas trevas em troca de sabedoria; magia antiga esquiva-se sob a luz, mas nós lembramos das eras perdidas, sussurravam os tambores. Homens outrora sábios se tornaram tolos; é só se lembrar dos deuses-feras – os deuses serpentes e deuses macacos –, além daqueles inomináveis, os Deuses Negros, que bebem sangue e cujas vozes rugem através das colinas sinistras em meio a banquetes e luxúria. Os segredos da vida e da morte pertenciam a eles; nós lembramos, nós lembramos, cantaram os tambores.

Kane os escutava em sua pressa. Mas a história que contavam aos guerreiros negros de chapéus sem penas, na região bem acima do rio, ele não conseguia traduzir. Falavam com ele à sua própria maneira, era aquela linguagem mais profunda, a mais básica.

O luar no céu azul iluminou seu caminho e permitiu-lhe uma visão clara quando partiu, até que, em uma planície, ele viu Le Loup parado. A lâmina prateada de Le Loup cintilou sob a Lua, e ele estava com os ombros jogados para trás, com o antigo e desafiador sorriso ainda em seu rosto.

– Um longo caminho, monsieur – ele falou. – Começou nas montanhas da França e termina nas selvas da África. Mas, enfim, cansei-me desse jogo, monsieur... E você morrerá. Não teria fugido do vilarejo se não fosse pela abominável feitiçaria de N’Longa que abalou meus nervos, admito.