Além disso, percebi que toda a tribo se voltaria contra mim.
Kane avançou com cautela, perguntando-se sobre que resquício de cavalheirismo esquecido na alma do vilão havia feito com que se arriscasse de peito aberto. Ele suspeitava de alguma traição, mas seus olhos hábeis não conseguiam detectar nenhuma sombra de movimento em ambos os lados da planície.
– Monsieur, em guarda – a voz de Le Loup foi ríspida. – É hora de terminarmos essa dança tola que rodou o mundo. Aqui estamos, sozinhos...
Os duelistas estavam, agora, no raio de alcance um do outro. Le Loup, parando no meio da sentença, mergulhou para a frente com a velocidade da luz, estocando viciosamente. Um homem mais lento teria morrido, mas Kane bloqueou os golpes e, com ímpeto, movimentou sua própria lâmina em uma faixa prateada que triscou a túnica de Le Loup, que se retraiu.
Le Loup admitiu o fracasso de seu truque com uma gargalhada selvagem e investiu com velocidade de tirar o fôlego e a fúria de um tigre, criando um leque de aço ao seu redor. As lâminas colidiram em nova sequência de luta. Os dois espadachins eram como fogo e gelo, opostos. Le Loup lutava com selvageria, mas habilidosamente, sem deixar aberturas e aproveitando cada oportunidade. Ele era uma chama viva, recuando, saltitando, fintando, estocando, protegendo-se e golpeando. Ria como um selvagem, praguejando e amaldiçoando.
A habilidade de Kane era friamente calculada e cintilante. Ele não desperdiçava movimentos, não fazia nada além do que fosse absolutamente necessário. Parecia devotar mais tempo e esforços em suas defesas do que Le Loup; contudo, não havia hesitação em seu ataque e, quando disparava estocadas, seu florete era mais rápido que o bote de uma cobra.
Havia pouca diferença de altura, de força e de alcance entre os homens. Le Loup era mais rápido por uma escassa margem, mas a habilidade de Kane chegava perto da perfeição. A esgrima de Le Loup era feroz e dinâmica, como o calor de uma fornalha. Kane era mais constante, um lutador menos instintivo e que raciocinava mais, embora ele também fosse um assassino natural, com a coordenação que somente alguém nascido para lutar possuiria.
Atacar, bloquear, esquivar-se em um súbito turbilhão de lâminas...
– Ah! – Le Loup disparou uma impetuosa gargalhada quando sangue começou a escorrer de um corte no rosto de Kane. Como se a visão lhe despertasse uma fúria ainda maior, ele atacou tal qual a fera que lhe emprestara o nome. Kane foi forçado a recuar diante daquela ofensiva que cobiçava seu sangue, mas sua expressão não se alterou.
Os minutos voaram, e o clangor nas colisões do aço não diminuía. Ambos estavam no centro da planície: Le Loup intocado, e as vestes de Kane vermelhas do sangue que jorrava de feridas na bochecha, no peito, no braço e na coxa. Le Loup sorria feroz e zombava à luz do luar, mas passava a ter dúvidas.
Seu fôlego começava a se tornar um ligeiro sibilo, e o braço encetou cansaço; quem era aquele homem de aço e de gelo que nunca parecia se enfraquecer? Le Loup sabia que os ferimentos infligidos a Kane não eram profundos, mas, ainda assim, o fluxo constante de sangue deveria ter minado parte das forças e velocidade do homem àquela altura. Mas se Kane sentia suas forças declinarem, não demonstrava. Suas feições concentradas não mudavam, e ele pressionava a luta com a mesma fúria glacial do começo.
Le Loup sentiu sua disposição esmorecer e, em um último e desesperado esforço, mobilizou toda sua força e fúria em um único mergulho. Um ataque súbito e inesperado, selvagem e veloz demais para os olhos acompanharem, um rompante dinâmico de rapidez e cólera que nenhum homem poderia ter suportado. Pela primeira vez, Solomon Kane cambaleou ao sentir o aço frio lacerar seu corpo. Recuou, e Le Loup, com um grito selvagem, investiu contra ele, com sua espada avermelhada livre e provocações ofegantes nos lábios.
A espada de Kane, retraída por força do desespero, encontrou Le Loup em pleno ar; encontrou, conteve e deu um rodopio.
O grito de triunfo de Le Loup morreu em seus lábios quando a espada voou de suas mãos em um silvo. Por um instante fugaz, ele parou, de braços abertos como um crucifixo, e Kane escutou sua gargalhada selvagem e zombeteira ressoar pela última vez: o florete do inglês desenhou uma linha prateada ao luar.
De longe, veio o ribombar dos tambores. Kane limpou mecanicamente a espada em suas vestes esfarrapadas. A trilha terminava ali, e ele tomou consciência de um estranho sentimento de futilidade. Sempre sentia aquilo após matar um inimigo. De alguma maneira, sempre parecia que nenhum bem verdadeiro havia sido feito – como se o inimigo tivesse, afinal, escapado de sua justa vingança.
O inglês, encolhendo os ombros, voltou sua atenção para os ferimentos de seu corpo.
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