– O Sol já vai se pôr. Afrouxem suas cordas de forma que ele consiga se soltar ao cair da noite, uma vez que é melhor encontrar a morte livre e solto do que amarrado, como em um sacrifício.
Quando viraram para deixá-lo, o velho Ezra, desvairado, gritou uma sequência de sons inumanos e, depois, caiu em silêncio, encarando o Sol com intensidade terrível.
O grupo caminhou ao longo da charneca, e Kane deu uma última olhadela para a figura grotesca amarrada à árvore, que, sob a luz incerta, se parecia com um fungo enorme crescendo no tronco. De repente, o avarento gritou de maneira hedionda:
– Morte! Morte! Há caveiras nas estrelas!
– A vida foi boa com ele, embora fosse retorcido, grosseiro e maldoso – suspirou Kane. – Quem sabe, Deus tenha um lugar para almas como essas, onde o calor e o sacrifício possam limpá-las de suas impurezas, como o fogo limpa a floresta dos fungos. Ainda assim, meu coração está pesado.
– Não – interveio um dos aldeões –, o senhor não fez nada além da vontade de Deus, e apenas o bem virá como consequência dos atos desta noite.
– Não – respondeu Kane, pesaroso. – Não sei... Não sei.
Depois do pôr do sol, a escuridão se espalhou com rapidez espantosa, como se grandes sombras vindas de abismos desconhecidos envolvessem o mundo em trevas vivas. Em meio à noite densa, ressoou um eco estranho. Os homens pararam e olharam para trás, observando a trilha de onde vieram.
Nada podia ser visto. A charneca era um oceano de sombras, e a grama alta que a tudo cercava se curvava em grandes ondas pela ação do vento, quebrando a quietude mortal com murmúrios de tirar o fôlego.
Então, ao longe, a Lua se ergueu como um disco vermelho. Por um instante, ao cruzar sua luz, uma silhueta sinistra ficou gravada na memória de todos: uma coisa curvada e grotesca, cujos pés mal pareciam tocar o solo, seguida por outro vulto, uma sombra fantasmagórica, um horror sem nome ou formato definido.
Por um momento, as duas figuras pareciam correr pela face da Lua; então, elas se fundiram em uma inominável massa disforme e desapareceram nas sombras.
De algum ponto remoto na charneca soou um único guincho de uma terrível gargalhada.

– Olá, estalajadeiro – o grito quebrou o silêncio e reverberou por entre a floresta negra com ecos sinistros.
– Parece-me que este lugar tem um aspecto medonho.
Os dois homens estavam em frente à estalagem da floresta. A construção era baixa, longa e irregular, construída com pesadas toras. Suas pequenas janelas tinham barras grossas e, acima da porta fechada, podia ser visto o sinistro símbolo da estalagem: um crânio rachado.
A porta abriu-se lentamente, e uma face barbada espiou para fora. O dono daquele rosto deu um passo para trás e fez um sinal para que seus hóspedes entrassem – um gesto de má vontade, ao que pareceu. Uma vela brilhava sobre uma mesa; uma chama ardia na lareira.
– Seus nomes?
– Solomon Kane – disse o homem mais alto, com brevidade.
– Gaston l’Armon – respondeu o outro, de forma concisa. – Mas o que quer você com isso?
– São poucos os estranhos na Floresta Negra – grunhiu o anfitrião. – E os bandidos são muitos. Sentem-se ali naquela mesa e irei servir-lhes comida.
Os dois homens sentaram-se, com o aspecto de que vinham de muito longe. Um era alto e magro, usava um chapéu sem penas e melancólicas vestes negras, que realçavam a palidez sombria de seu rosto. O outro tinha um tipo completamente diferente, enfeitado com rendas e plumas, embora seus adornos estivessem sujos por causa da viagem. Ele era bonito e de aspecto audaz, e seus olhos inquietos se deslocavam de um lado para outro, jamais estáticos, nem por um instante.
O estalajadeiro trouxe vinho e comida para a mesa rústica e depois voltou para as sombras, ficando parado como um sombrio retrato. Suas feições, ora pouco precisas, ora lugubremente iluminadas pelo fogo quando as chamas da lareira saltavam e tremulavam, eram mascaradas por uma espessa barba quase animalesca. Um enorme nariz se curvava acima dessa barba, e dois pequenos olhos avermelhados encaravam os hóspedes sem piscar.
– Quem é você? – perguntou repentinamente o mais jovem.
– Sou o proprietário da Estalagem Crânio Rachado – respondeu o hospedeiro rabugento. O tom empregado parecia lançar um desafio por mais perguntas.
– Você tem muitos hóspedes? – prosseguiu l’Armon.
– Poucos vêm duas vezes – grunhiu o anfitrião.
Em um sobressalto, Kane olhou direto para os pequenos olhos vermelhos daquele homem, como se procurasse algum significado escondido em suas palavras. Os olhos flamejantes pareceram se dilatar, mas logo depois abaixaram, mal-humorados, diante da fria encarada do inglês.
– Vou me deitar – disse Kane de súbito, encerrando sua refeição. – Devo retomar minha viagem ao nascer do sol.
– Assim como eu – acrescentou o francês. – Estalajadeiro, mostre os nossos quartos.
Sombras negras oscilavam nas paredes enquanto os dois homens seguiam seu silencioso anfitrião ao longo de um corredor comprido e escuro. O corpo atarracado e largo do guia parecia crescer e expandir-se à luz da pequena vela que ele carregava, lançando atrás de si uma sombra longa e sinistra. Parou em frente a uma porta, indicando onde eles iriam dormir. Todos entraram; o estalajadeiro acendeu uma vela com a que trouxera, e depois retornou cambaleando pelo mesmo caminho que viera.
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