No quarto, os dois homens se entreolharam. A mobília do cômodo era composta por dois beliches, duas cadeiras e uma mesa pesada.
– Vejamos se existe algum modo de bloquear a porta – disse Kane. – Não gosto da aparência do nosso anfitrião.
– Há encaixes na porta e no batente para um ferrolho – falou Gaston. – Mas não há ferrolho.
– Podíamos quebrar a mesa e usar seus pedaços como ferrolho – imaginou Kane.
– Mon Dieu – disse l’Armon. – Você está receoso, m’sieu.
Kane franziu a testa e respondeu zangado:
– Não me agrada ser assassinado enquanto durmo.
– Meu Deus – riu o francês –, nos encontramos por acaso; até eu cruzar a sua frente na estrada da floresta, uma hora antes do sol se pôr, nunca havíamos nos visto.
– Já o vi em algum lugar antes – respondeu Kane –, embora agora não consiga me recordar de onde. Quanto à sua outra afirmação, assumo que todos os homens são honestos até que se provem vilões; além do mais, tenho sono leve e durmo com uma pistola à mão.
– Estava me perguntando como m’sieu dormiria no mesmo quarto com um estranho! – o francês riu novamente. – Tudo bem, m’sieu inglês, vamos procurar um ferrolho em algum dos outros quartos.
Levando a vela, eles saíram para o corredor. Silêncio absoluto reinava, e a pequena chama cintilava vermelha e maligna na escuridão espessa.
– O estalajadeiro não tem hóspedes ou servos – murmurou Solomon Kane. – É uma taverna estranha. Qual é o nome dela mesmo? Não me recordo com facilidade dessas palavras alemãs... Crânio Rachado? Um nome sangrento!
Vasculharam os quartos vizinhos, mas nenhum ferrolho recompensou tal busca. Por fim, chegaram ao último quarto, no final do corredor. A porta tinha uma pequena tranca, presa pelo lado de fora com uma pesada trava, cuja extremidade estava aferrada ao batente. Eles a abriram, entraram e viram que estava mobiliado como os demais, mas...
– Devia haver uma janela para fora, mas não há – murmurou Kane. – Olhe!
O chão e as paredes tinham manchas escuras. O único beliche fora quebrado, com grandes lascas arrancadas.
– Homens morreram aqui – Kane afirmou, taciturno. – Aquilo ali, preso à parede, não é um ferrolho?
– É, mas parece bem apertado – respondeu o francês, forçando-o.
Uma seção da parede virou para trás, e Gaston soltou uma breve exclamação. Uma sala pequena e secreta foi revelada, e os dois homens se inclinaram sobre a horrível imagem deitada no chão.
– O esqueleto de um homem! – disse Gaston. – E veja como a sua canela está algemada ao solo! Ele foi aprisionado aqui e morreu.
– Não – observou Kane –, o crânio está rachado. Isso me faz pensar que nosso anfitrião tem um motivo cruel para o nome da sua estalagem infernal. Este homem, como nós, era sem dúvida um viajante que caiu nas garras daquele demônio.
– É provável – disse Gaston desinteressado, empenhando-se na tarefa inútil de soltar o grande anel de ferro da perna do esqueleto. Ao não conseguir, sacou sua espada e, em uma notável exibição de força, cortou a corrente que unia o anel da ossada a uma argola chumbada no pavimento.
– Por que ele algemaria um esqueleto ao chão? – devaneou o francês. – Monbleu! É um desperdício de boas correntes. Agora, m’sieu – ele se dirigiu com ironia à pilha branca de ossos –, você está livre e pode ir para onde quiser!
– Basta! – a voz de Kane era profunda. – Nenhum bem advém de zombar dos mortos.
– Os mortos deviam se defender – riu l’Armon. – De alguma maneira, irei matar o homem que tiver me assassinado, mesmo que meu cadáver tenha de subir quarenta braças de oceano para fazê-lo.
Kane virou-se para a porta exterior do quarto, fechando a da câmara secreta atrás de si. Ele não gostava daquele tipo de conversa que flerta com demônios e bruxaria e, ávido, queria confrontar o estalajadeiro com a acusação de seus pecados.
Quando deu as costas para o francês, o puritano sentiu o toque de aço frio em sua nuca e soube que a boca de uma pistola pressionava seu cérebro.
– Não se mova, m’sieu! – A voz era baixa e acetinada. – Não se mova, ou vou espalhar seus poucos miolos pelo quarto.
O inglês, ardendo de raiva por dentro, ficou parado com as mãos para o alto, enquanto l’Armon tirava suas pistolas e o florete das bainhas.
– Agora já pode se virar – afirmou Gaston, dando um passo para trás.
Kane dirigiu um olhar ameaçador ao elegante companheiro, que estava com a cabeça exposta agora, segurando o chapéu na mão e com a pistola na outra, apontando para ele.
– Gaston, o Carniceiro! – disse o inglês, sombriamente. – Que tolo fui por confiar em um francês! Você viajou para muito longe, assassino! Eu me recordo de você, agora que tirou esse amaldiçoado chapéu.
1 comment