Mesmo assim, quase o arrancou do rochedo. Após lutar desesperadamente para se endireitar, escutou um estrondo reverberar entre as pedras lá embaixo. Suor frio pingava de sua testa quando olhou para o alto. Quem – ou o que – teria empurrado aquele pedregulho pela beirada do penhasco? Ele era corajoso, como os ossos de muita gente nos campos de batalha podiam atestar, mas o pensamento de morrer como uma ovelha, desamparado e sem chance de resistir, resfriava seu sangue.

Então, uma onda de fúria superou seu medo, e ele retomou sua escalada com mais velocidade, desafiando o perigo. O segundo pedregulho – que ele pensou que pudesse despencar em seguida – não veio, e também não havia nenhum ser vivo à vista quando, após superar a beirada, ficou de pé no altiplano, com a espada desembainhada como um raio.

Era uma espécie de platô que se destacava em um país cortado por montanhas, em torno de um quilômetro a oeste. O cume do rochedo que escalara parecia um promontório sombrio, acima do mar de folhagem que ondulava no sopé, agora escuro e misterioso na noite tropical.

O silêncio reinava absoluto nas alturas. Não havia brisa alguma, e nenhum passo era escutado entre os arbustos raquíticos que cobriam o platô; no entanto, aquele pedregulho que quase arrastou o escalador para a morte não tinha caído por acaso. Que seres se moviam entre aquelas ameaçadoras colinas? A escuridão tropical caiu sobre o viajante solitário como um véu pesado, e, acima dele, as estrelas amarelas piscavam maldosamente, enquanto os vapores da vegetação apodrecida flutuavam, tão tangíveis quanto uma neblina densa. Fazendo uma careta, o homem afastou-se do penhasco e avançou arrojadamente pelo platô, com a espada e a pistola nas mãos.

Sentia a incômoda sensação de ser observado. O silêncio permanecia inalterado, exceto pelo assobio suave que marcava seus passos felinos pela grama alta, mas o homem tinha a sensação de que coisas vivas planavam à sua frente e atrás, de ambos os lados. Não sabia se homem ou predador estavam no seu rastro, nem se importava, pois estava preparado para lutar contra gente ou demônios, caso cruzassem seu caminho. Ocasionalmente, parava e olhava de forma desafiadora ao redor, mas seus olhos nada encontravam além de arbustos que se agachavam como pequenos fantasmas negros em volta da trilha, misturados e borrados pela treva quente e espessa, contra a qual as próprias estrelas pareciam lutar violentamente.

Afinal, chegou ao lugar onde o platô se dividia em encostas mais altas e viu um conjunto de árvores bloqueando solidamente as sombras inferiores. Aproximou-se com cautela, mas estancou quando seu olhar, já habituado à escuridão, percebeu uma figura indistinta entre os troncos sombrios, algo que não fazia parte deles. Ele hesitou. A figura não avançou nem fugiu. Uma forma turva de ameaça silenciosa, espreitando-o como se estivesse à sua espera. Terror penetrante pairava sobre aquelas árvores.

O estranho avançou cautelosamente, com sua lâmina estendida. Mais próximo, apertou os olhos em busca de algum movimento ou de algo que o ameaçasse. Concluiu que era uma figura humana, mas sentiu-se confuso com tamanha inércia. Então, a razão ficou clara – era o cadáver de um homem negro em pé, em meio às árvores, mantido ereto por lanças que trespassavam seu corpo, pregando-o aos troncos.

Um braço estava estendido à sua frente, preso a um longo ramo por uma adaga que atravessava o antebraço, com o dedo indicador do cadáver apontando para o caminho por onde o estranho viera. O significado era óbvio; aquele sinal mudo e sombrio só podia querer dizer uma coisa: a morte está de prontidão logo adiante. O homem que observava aquele horrendo aviso raramente sorria, mas, naquele momento, permitiu-se o luxo de um sardônico sorriso. Agora, após 1 600 quilômetros de terra e mar – viagens pelo oceano e pela selva –, esperavam fazê-lo recuar com aquela palhaçada? Não teriam sucesso, quem quer que fossem. O estranho resistiu à tentação de saudar o cadáver, o que seria um ato de falta de decoro, e seguiu em frente corajosamente pelo arvoredo, esperando um ataque pelo flanco ou uma emboscada. Entretanto, não ocorreu nada parecido. Emergindo do meio das árvores, desembocou aos pés de uma inclinação acidentada, a primeira de uma série de encostas. Imperturbável, avançou noite adentro, sem parar para refletir como suas ações deveriam parecer estranhas para alguém minimamente razoável. Um homem comum teria acampado no platô e esperado o nascer do sol antes de continuar sua escalada. Mas aquele não era um homem comum. Uma vez que seu objetivo estava à vista, ele tomou a linha mais direta, sem considerar os obstáculos, quer fosse dia ou noite.