O que era para ser feito teria de ser feito. Ele alcançara um posto avançado do reino do medo no crepúsculo e invadir seus recantos mais secretos durante a noite parecia ser o curso natural a ser seguido.
Conforme subia as encostas cheias de rochedos, a Lua surgiu, emprestando sua luz e seu ar de ilusão ao promontório desigual que se elevava à sua frente como pináculos negros dos castelos dos magos. Ele manteve os olhos atentos ao rastro pouco perceptível que seguia, porque não sabia quando outro pedregulho poderia ser jogado do alto das inclinações. Esperava um ataque de qualquer tipo e, naturalmente, foi algo inesperado o que realmente aconteceu.
Detrás de uma grande pedra, surgiu de súbito um homem, um gigante de ébano sob a pálida luz da Lua, portando uma longa lança, cuja lâmina prateada cintilava. Vestindo um elmo com plumas de avestruz que flutuavam como uma nuvem branca, ele ergueu a lança, fazendo uma poderosa saudação e falou no dialeto das tribos do rio:
– Esta terra não é do homem branco. Quem é o meu irmão branco e por que ele vem à Terra das Caveiras?
– Meu nome é Solomon Kane – o homem branco respondeu no mesmo idioma. – E procuro a rainha-vampiro de Negari.
– Poucos a procuram. Menos ainda a encontram. Nenhum retorna – respondeu o outro de forma funesta.
– Você me levará até ela?
– Você traz uma adaga comprida na mão direita. Não há leões aqui.
– Uma serpente desalojou um pedregulho. Pensei que encontraria serpentes nos arbustos.
O gigante reconheceu aquela troca de sutilezas com um sorriso austero e, após um breve silêncio, retrucou:
– A sua vida está nas minhas mãos.
Kane reagiu, esboçando um sorriso:
– Eu carrego as vidas de muitos guerreiros nas minhas.
O olhar do negro viajou incerto para cima e para baixo, ao longo da luz difusa refletida na espada do inglês. Então, encolheu seus poderosos ombros, deixando a ponta da lança afundar na terra, e falou:
– Você não traz nenhum presente, mas siga-me se quiser que o leve até a Terrível, a Amante da Perdição, a Mulher Vermelha, Nakari, que governa a terra de Negari.
Ele afastou-se e fez sinal para que Kane seguisse na sua frente, mas o inglês, preocupado com um possível golpe de lança na retaguarda, negou com a cabeça.
– Quem sou eu para caminhar à frente do meu irmão? Somos dois chefes... Vamos caminhar lado a lado.
Em seu coração, Kane percebeu que teria de usar tal diplomacia desagradável com um guerreiro selvagem, mas não deu sinal algum do que pensava. O gigante curvou-se com certa majestade bárbara, e a dupla subiu a trilha da colina, sem falar.
Kane percebeu que, após sua passagem, homens saíam aos pulos de seus esconderijos e vinham atrás deles. Com um movimento sub-reptício por cima do ombro, viu guarnições de guerreiros que os seguiam em duas linhas em forma de cunha. O luar refletia em seus corpos lustrosos, nos adornos que ondulavam em suas cabeças, nas lanças longas e cruéis.
– Meus irmãos são como leopardos – afirmou Kane, de maneira cortês. – Eles se deitam nos arbustos baixos, e nenhum olho pode vê-los enquanto se movem pela grama alta. Nenhum homem escuta sua chegada.
O chefe negro reconheceu o elogio e, com uma inclinação polida, fez as plumas de sua cabeça leonina sussurrarem.
– O leopardo da montanha é nosso irmão, caro capitão. Nossos pés são como a fumaça que flutua, mas nossos braços são como ferro. Quando eles atacam, o sangue jorra vermelho e os homens morrem.
Kane sentiu um tom subjacente de perigo. Não havia indicação concreta de ameaça para basear suas suspeitas, mas a nota sinistra, em tom menor, estava presente. Nada mais foi dito, e o estranho bando seguiu em silêncio colina acima, como uma cavalgada de espectros sob a luz do luar.
A trilha ficou mais íngreme, enrolando-se para dentro e para fora entre os desfiladeiros e gigantescos rochedos. De repente, um grande abismo abriu-se diante deles, com uma ponte de pedra natural sobre o vão, ao pé da qual o líder parou.
Kane olhou com curiosidade para o báratro, que tinha mais de 12 metros de largura e, ao voltar-se para baixo, sua visão foi engolida por uma escuridão impenetrável, com centenas de metros de profundidade, ou era o que ele suspeitava. Do outro lado, elevavam-se rochas escarpadas negras e proibidas. O chefe alertou:
– Aqui começam as verdadeiras fronteiras do reino de Nakari.
Kane notou que, casualmente, estava cercado pelos guerreiros. Por instinto, seus dedos pressionaram o cabo do florete, o qual ele não havia embainhado. O ar ficou sobrecarregado de tensão.
– Aqui, também – prosseguiu o chefe guerreiro –, aqueles que não trazem presentes para Nakari... morrem!
A última palavra do chefe foi um grito, como se o pensamento o tivesse transformado em um maníaco. Depois do veredito, o poderoso braço pendeu para trás e depois para a frente, com um agito de músculos possantes, e a extensa lança voou em direção ao peito de Kane.
Só um homem nascido para lutar poderia ter evitado aquele golpe. A ação instintiva de Kane salvou sua vida...
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