Ao se desviar para o lado, a grande lâmina somente lhe arranhou as costelas, e ele devolveu o golpe com uma estocada relâmpago, que matou um guerreiro que se acotovelava entre ele e o chefe naquele instante.

As lanças brilharam sob a luz do luar, e Kane, defendendo-se entre um golpe e outro, saltou sobre a ponte estreita, onde só passava uma pessoa por vez.

Ninguém se preocupou em ser o primeiro. Todos ficaram na beirada e tentaram golpeá-lo, avançando em grupo quando Kane recuava, golpeando quando ele os pressionava. As lanças eram mais longas que o florete de Kane, mas ele compensou a diferença numérica e suas chances débeis com uma habilidade notável e a ferocidade fria de seus ataques.

Eles oscilaram para frente e para trás, mas, de repente, um gigante saltou do meio de seus companheiros e investiu pela ponte como um búfalo selvagem, de ombros arqueados, com a lança a baixa altura. Seus olhos brilhavam com uma expressão que negava a sanidade. Kane saltou para trás antes da arremetida, lutando para evitar que aquela lança o trespassasse e para encontrar uma abertura para golpear com sua lâmina. Ao pular para o lado, porém, cambaleou na beirada da ponte, com a eternidade abrindo-se abaixo de si. Os guerreiros gritaram em exultação selvagem, enquanto ele se agitava e tentava recuperar o equilíbrio; e, mais uma vez, o gigante na ponte rugiu e investiu contra seu inimigo oscilante.

O inglês, usando toda sua agilidade e força, bloqueou o ataque – um feito que poucos espadachins poderiam ter alcançado, ainda mais desequilibrado como ele estava. Kane viu a faísca cruel da lâmina da lança passar ao lado de sua bochecha e sentiu-se cair de costas para o abismo. Em um esforço desesperado, agarrou o cabo da lança, endireitou-se e trespassou o corpo do guerreiro. A caverna vermelha que era a boca do gigante cuspiu sangue e, com um esforço agonizante, ele lançou-se às cegas contra seu inimigo. Kane, com os calcanhares na extremidade da ponte, foi incapaz de evitá-lo, e ambos tombaram juntos, para desaparecer em silêncio nas profundezas abaixo.

Tudo aconteceu com tamanha rapidez que os guerreiros ficaram atordoados. O rugido de triunfo do gigante mal tinha morrido em seus lábios quando ambos caíram na escuridão. O restante dos nativos debruçou-se na ponte para espiar lá embaixo, mas nenhum som vinha do vácuo tetro.

2. O povo da morte à espreita

Os deuses deles eram mais tristes que o mar,

Deuses de uma vontade errante,

Que clamavam por sangue como feras na noite

Infelizmente, de colina a colina.

– Chesterton

Conforme caía, Kane seguiu seu instinto e se contorceu em plena queda, com objetivo de, ao atingir o chão, fosse a 3 ou a 300 metros, estar sobre o homem que caía com ele.

O fim veio de forma repentina, bem antes do que o inglês imaginara. Ele ficou meio atordoado por um instante, mas logo olhou para o alto, observando vagamente a ponte estreita que atava o céu com as silhuetas dos guerreiros, delineadas à luz do luar como escorços grotescos e curvados sobre a beirada. Ele permaneceu imóvel, sabendo que os raios da Lua não conseguiriam furar a escuridão que o protegia – para os nativos, Kane estava invisível. Então, quando eles saíram de sua vista, começou a examinar a situação em que se encontrava. Seu oponente estava morto, e o inglês só não morreu porque o cadáver amorteceu sua queda, pois ambos haviam caído de grande altura. Contudo, ele apresentava contusões.

Kane tirou sua espada do corpo do nativo, grato por ela não ter quebrado, e começou a tatear na escuridão. Sua mão encontrou a beirada do que parecia ser um penhasco. Em vez de estar no fundo de um poço, como imaginara, desfez a ilusão de ter caído em uma grande fissura e deu-se conta de que estava em uma cova, o que o salvou de uma queda muito maior. Em seguida, ele derrubou uma pedra pela saliência e, após o que pareceu ser um longo tempo, escutou o som distante quando ela atingiu o fundo.

Meio incerto sobre como proceder, tirou a pederneira e o aço de seu cinto e, após batê-los em uma mecha qualquer, fez um abrigo para a luz com as mãos. A iluminação fraca revelou uma grande beirada saliente da lateral do penhasco, perto de onde pensou em atravessar. Foi graças à extremidade mais estreita que ele escapou de escorregar quando ainda não sabia onde se encontrava.

Agachando-se ali, acostumando os olhos com as trevas do abismo, Kane divisou o que parecia ser uma sombra mais escura no meio da parede. Ao investigar mais atentamente, viu que se tratava de uma abertura grande o bastante para permitir que seu corpo ficasse ereto. Uma caverna, julgou; e embora sua aparência fosse carregada e repugnante, ele entrou, tateando por todo o caminho quando a mecha se apagou.

Para onde ia, ele, naturalmente, não tinha a menor ideia, mas qualquer ação era preferível a esperar sentado, até que os abutres das montanhas roessem seus ossos. Durante um longo curso, o chão da caverna inclinava-se para cima, com rocha sólida sob seus pés, e Kane foi avançando com certa dificuldade, e escorregando de vez em quando, à medida que o caminho ficava mais íngreme. A caverna parecia ser grande; em nenhum momento conseguiu tocar o teto nem foi capaz de, com a mão em uma parede, alcançar a outra.

Afinal, o chão se nivelou, e Kane percebeu que o tamanho da caverna era muito maior ali. O ar parecia melhor, embora a escuridão fosse tão impenetrável quanto antes.