De repente, parou onde estava. De algum lugar à sua frente veio um estranho e indescritível ruído. Sem aviso, algo o golpeou no rosto e o talhou selvagemente. Ao seu redor, soavam os murmúrios funestos de muitas asas pequenas. De repente, Kane sorriu de forma meio divertida e desgostosa: eram morcegos, naturalmente. A caverna estava infestada deles. Foi uma experiência estremecedora. Enquanto seguia em frente e as asas sussurravam pela vastidão desoladora da furna, a mente de Kane encontrou lugar para flertar com um pensamento medonho: estaria vagando pelo inferno e aqueles morcegos, na verdade, seriam almas perdidas, voando pela noite eterna? Então, Solomon Kane acreditou que, em breve, enfrentaria o próprio Satã e, enquanto pensava nisso, suas narinas foram assoladas por um cheiro horrível, fétido e repugnante. O cheiro aumentava à medida que ele avançava lentamente, e Kane praguejou em voz baixa, embora não fosse um homem profano. Percebeu que o odor era o presságio de alguma ameaça oculta, alguma malevolência invisível, inumana e letal, e sua mente sombria tirou conclusões sobrenaturais.

Apesar disso, ele se sentia perfeitamente confiante em sua habilidade para lidar com qualquer inimigo ou demônio, armado por fé inabalável e pelo conhecimento da retidão de sua causa. O que veio a seguir, aconteceu repentinamente. Ele tateava ao longo do caminho quando, bem diante de si, dois olhos amarelos saltaram da escuridão. Olhos que eram frios e sem expressividade, tão contraídos e horrivelmente próximos um do outro, para serem de um rosto humano, e altos demais para pertencerem a qualquer fera de quatro patas. Que horror, então, se ergueu diante dele daquela maneira?

“É Satã”, pensou Kane, observando aqueles olhos em convulsão. No instante seguinte, ele se viu lutando pela própria vida contra a escuridão que parecia ter assumido uma forma tangível, lançando-se contra seu corpo e membros em grandes espirais viscosas. Aquelas espirais se enrolaram no braço em que ele empunhava a espada, tornando-o inútil; com a outra mão, ele buscou sua adaga ou pistola e ficou com a pele arrepiada quando seus dedos escorregaram por escamas lisas, e o silvo do monstro preencheu a caverna com um hino gélido de terror.

Lá, nas trevas densas que acompanhavam o bater das asas dos morcegos, Kane lutou como um rato preso por uma serpente, sentindo suas costelas cederem e perdendo o fôlego, antes de sua frenética mão esquerda se fechar no cabo da adaga.

Então, com uma guinada vulcânica e uma violenta torcida dos músculos de aço de seu corpo, ele libertou parcialmente o braço esquerdo e mergulhou a lâmina afiada no sinuoso terror que o envolvera em contorções, golpeando-o repetidamente até o cabo, até sentir, afinal, as trêmulas espirais se afrouxarem e se desprenderem de seus membros, caindo a seus pés como enormes correntes.

A poderosa serpente açoitou selvagemente em sua luta mortal, e Kane, evitando os golpes, que poderiam despedaçar ossos, afastou-se cambaleando na escuridão, lutando para respirar. Se seu antagonista não fora o próprio Satã, tratava-se de seu correspondente terreno mais próximo, pensou Solomon, esperando devotamente não ter de lutar contra outro ser infernal naquela escuridão.

Sentiu como se viesse caminhando no escuro há eras e começou a se perguntar se a caverna tinha fim, quando um bruxuleio de luz rompeu as trevas. Ele pensou tratar-se de uma entrada externa bem distante e começou a avançar com rapidez, mas, para seu espanto, deu de frente para uma parede lisa após poucos passos.

Ele percebeu que a luz vinha de uma estreita rachadura na parede e, ao tateá-la, sentiu que era feita de um material diferente do resto da caverna, aparentemente, blocos de pedra regulares, ligados por argamassa ou algo do tipo – sem dúvida, uma parede construída pelo homem. Um raio de luz passava entre duas pedras em um ponto em que a argamassa havia desmoronado. Kane correu as mãos pela superfície, com um interesse que excedia suas necessidades imediatas. O trabalho parecia muito antigo e superior ao que se espera de uma tribo de selvagens ignorantes. Ele sentiu a emoção do explorador e desbravador. Certamente, nenhum homem branco teria visto aquele lugar e vivido para contar, pois, quando ele desembarcou na fria e úmida Costa Oeste, alguns meses atrás, preparando-se para mergulhar no interior da região, não ouviu insinuação alguma sobre um país como aquele. Os poucos brancos com quem conversou, e que conheciam qualquer coisa sobre a África, nunca haviam sequer mencionado a “Terra das Caveiras” ou a mulher-demônio que a governava.

Kane empurrou, inicialmente com cautela, a estrutura que parecia enfraquecida por causa da idade e, após um impacto vigoroso, ela cedeu. Em seguida, o puritano jogou todo seu peso contra a parede, que caiu com um estrondo, precipitando-o para dentro de um corredor mal-iluminado, em meio a um monte de pedras, pó e argamassa.

Ele ficou em pé e olhou à sua volta, esperando que o barulho atraísse uma horda de lanceiros selvagens. O mais profundo silêncio reinava. O corredor onde caiu parecia ser uma longa caverna, exceto pelo fato de ser um trabalho realizado pelo homem, com um teto que estava muitos metros acima da cabeça de Kane. A poeira no chão chegava à altura do tornozelo, como se pé algum houvesse pisado lá por incontáveis séculos, e a tênue luz, Kane concluiu, era filtrada de alguma maneira pelo teto, pois ele não viu portas ou janelas em lugar nenhum. Enfim, percebeu que sua origem era o próprio teto, que tinha uma peculiar qualidade fosforescente.

Corredor abaixo, o inglês seguiu meio desconfortável, como um fantasma cinzento, caminhando ao longo das paredes pálidas da morte e da decadência. A evidente antiguidade da construção o deprimia, fazendo com que sentisse vagamente a efêmera e fútil existência da humanidade.