Ele acreditava estar debaixo da terra, uma vez que nenhum tipo de luz entrava, mas onde? Não era capaz sequer de conjecturar. Aquela era uma terra de encantamentos, uma terra de horror e de mistérios assustadores, tal qual os nativos da selva e do rio lhe haviam relatado, e ele escutara sugestões de seus terrores sussurradas desde que partira da Costa dos Escravos para se aventurar sozinho no interior do país.
De vez em quando, captava um murmúrio grave e indistinto, que parecia vir de uma das paredes, até que finalmente concluiu que havia trombado com a passagem secreta de algum castelo ou casa. Os nativos que ousaram falar com ele a respeito de Negari sussurraram informações sobre uma cidade de pedra, localizada no meio dos sombrios rochedos negros das colinas enfeitiçadas.
Então, Kane pensou: “Pode ser que eu tenha trombado com a própria coisa que estava buscando, e que esteja no epicentro daquela cidade do terror”. Ele parou e, escolhendo um lugar ao acaso, começou a escavar a argamassa com seu punhal. Conforme trabalhava, tornou a escutar o ruído, que se tornava mais alto, até que a lâmina rompeu de uma vez a barreira, atravessando-a. Olhando pela abertura, Kane viu uma cena estranha e fantástica.
No interior de uma grande câmara, com paredes e piso de pedra e teto sustentado por gigantescas colunas, estranhamente esculpidas, guerreiros negros emplumados enfileiravam-se junto às paredes. Estavam em coluna dupla, parados como estátuas, e vários deles se posicionavam diante de um trono, entre dois dragões de pedra maiores do que elefantes. Pelo porte e pela aparência geral, ele reconheceu os homens como sendo guerreiros das tribos contra os quais lutara no precipício. Mas seu olhar foi atraído de forma irresistível para o grande trono grotescamente ornamentado. Lá, diminuída pelo pesado esplendor que a cercava, uma mulher jazia reclinada. Era uma jovem fulva, com a graciosidade de uma tigresa. Estava nua, exceto pelo elmo emplumado e pelo cinto com penas coloridas de avestruz, além de braçadeiras e tornozeleiras. Ela se esparramava sobre almofadas de seda, com seus membros largados em voluptuoso abandono. Mesmo àquela distância, Kane pôde discernir que suas feições eram régias, ainda que bárbaras; arrogante e imperiosa, porém sensual, e com um toque de crueldade impiedosa em seus lábios carnudos e vermelhos. Kane sentiu sua pulsação se acelerar. Ela não podia ser outra além daquela cujos crimes se tornaram quase míticos: Nakari de Negari, a rainha-demônio de uma cidade demoníaca, cuja monstruosa sede de sangue fez estremecer metade do continente.
Pelo menos, ela parecia bastante humana, bem diferente do aspecto sobrenatural que as histórias das tribos assustadas que viviam à beira-rio lhe emprestavam. Kane esperava ver um monstro semi-humano, asqueroso, saído de uma era demoníaca do passado, mas não.
O inglês olhava a sala do trono fascinado, embora com repulsa. Nem mesmo nas cortes da Europa ele vira tamanha grandeza. A câmara e todos os seus adornos, desde as serpentes gêmeas nas bases dos pilares até os dragões, que também podiam ser vistos no teto, haviam sido entalhados em uma escala gigantesca. O esplendor era impressionante, obtuso, em um tamanho inumano, quase entorpecedor para a mente de alguém que buscasse medir e conceber a magnitude de tudo. Para Kane, parecia que tais coisas eram trabalho de deuses, e não algo feito por homens, pois só aquela câmara já era suficiente para diminuir a maioria dos castelos que ele conhecera na Europa.
Os guerreiros que se aglomeravam na enorme sala pareciam grotescamente incongruentes. Não eram os arquitetos daquele antigo lugar. Ao perceber isso, Kane reduziu a sinistra importância da rainha Nakari. Deitada naquele trono augusto, em meio à terrível gloria de outra era, ela assumia suas verdadeiras proporções: uma criança mimada e petulante, envolvida em um jogo de faz de conta, e usando a seu bel-prazer um brinquedo descartado pelos mais antigos. Ao mesmo tempo, um pensamento penetrou a mente de Kane: quem eram aqueles que a antecediam? Ainda assim, a rainha poderia se tornar mortal em seu jogo, como o inglês logo viu. Um guerreiro alto e forte veio por entre as fileiras e, após se curvar quatro vezes diante do trono, permaneceu de joelhos, evidentemente esperando permissão para falar. O ar de indiferença e preguiça da rainha desapareceu quando ela se endireitou com um movimento tão rápido que fez Kane se lembrar da agilidade de um leopardo. Ela falou com o nativo, e o inglês, esforçando-se para escutar, percebeu que ela usava linguagem similar à das tribos do rio.
– Fale!
– Grande e terrível rainha– saudou o guerreiro de joelhos, reconhecido por Kane como o chefe que o abordara no platô, o líder dos guardas nos rochedos –, não permita que o fogo de sua fúria consuma seu escravo.
Os olhos da jovem mulher se estreitaram viciosamente.
– Você sabe por que foi convocado, filho de um abutre?
– Fogo da Beleza, o forasteiro chamado Kane não trouxe presentes.
– Presentes? – ela cuspiu as palavras.
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