– De que me interessam presentes?

O chefe hesitou, sabendo agora que havia algo de importante naquele forasteiro.

– Gazela de Negari, ele chegou escalando os penhascos na noite como um assassino, trazendo na mão uma adaga tão longa quanto o braço de um homem. O bloco que rolamos para baixo não o atingiu. Quando o encontramos no platô, nós o levamos até a Ponte-sobre-o-Céu, onde, como é nosso costume, pensamos em matá-lo, pois suas ordens eram de que estava cansada de homens que viessem cortejá-la.

– Tolo! – ela rosnou. – Tolo!

– Seu escravo não sabia, Rainha de Beleza. O forasteiro lutou como um leopardo da montanha. Matou dois homens, caiu no abismo, juntamente com o último, e pereceu, Estrela de Negari.

– Sim – o tom de voz da rainha era venenoso –, era o primeiro grande homem a vir até Negari! Um que poderia ter... Levante-se, imbecil!

O homem ficou de pé:

– Poderosa Leoa, não poderia ele ter vindo procurar...

A frase nunca foi completada. Conforme ele se levantava, Nakari fez um gesto veloz com a mão. Dois guerreiros saíram das fileiras silenciosas e duas lanças se cruzaram no corpo do chefe, antes mesmo que ele pudesse se virar. Um grito gorgolejante explodiu de seus lábios, o sangue jorrou para o alto e o cadáver estendeu-se à base do grande trono.

As fileiras não vacilaram, mas Kane captou o brilho enviesado de olhos estranhamente vermelhos e o umedecer involuntário dos lábios grossos. Nakari havia se erguido parcialmente quando as lanças dispararam, mas, agora, ela se afundava novamente, com uma expressão de cruel satisfação em seu belo rosto, além de um estranho e melancólico fulgor em seus olhos cintilantes.

Após um gesto indiferente de sua mão, o cadáver foi arrastado para longe pelos calcanhares, e os braços mortos, flácidos, deixaram um rastro sangue, indicando a passagem do corpo. Kane viu outras manchas que se estendiam ao longo do chão de pedra, algumas quase indistintas, outras menos opacas. Quantas cenas selvagens e sangrentas, de cruel frenesi, os olhos esculpidos dos grandes dragões de pedra do trono já haviam assistido?

Kane já não tinha a menor dúvida sobre as lendas narradas pelas tribos do rio, falando daquele povo criado em meio à rapinagem e ao horror, cuja intrepidez lhes arrebentara o cérebro. Tal qual uma terrível fera, eles viviam apenas para destruir. Havia um brilho estranho por trás de seus olhos que, às vezes, o iluminava com fogos crescentes e sombras do inferno. O que as tribos do rio, pilhadas durante incontáveis séculos, haviam dito sobre aquele povo das montanhas? “Que eram os capangas da morte, que espreitava entre eles, e a quem eles cultuavam.”

Ainda pairava o mesmo pensamento na mente de Kane, enquanto ele refletia sobre quem havia construído tudo aquilo e por que aquele povo tomara posse daquele lugar. Guerreiros como eles jamais poderiam ter alcançado a cultura que os entalhes evidenciavam. Contudo, as tribos do rio não haviam mencionado nada além dos homens que ele observava naquele instante. O inglês fez força para se desvencilhar do fascínio da cena bárbara. Não tinha tempo a perder e, como eles pensavam que estava morto, suas chances de encontrar o que viera procurar se tornaram maiores. Ele virou-se e seguiu pelo corredor escuro. Nenhum plano de ação se oferecia à sua mente, e uma direção era tão boa quanto qualquer outra. A passagem não seguia uma linha reta; Kane notou que ela fazia curvas e serpenteava, seguindo as paredes, e encontrou tempo para se questionar sobre a enorme espessura daquela construção. A qualquer momento, ele esperava deparar-se com guardas ou escravos, mas os corredores se alongavam vazios diante de si. Com o chão empoeirado e sem marcas de pegadas, ele julgou que aquela passagem não era do conhecimento do povo de Negari ou, por algum motivo, não era usada.

Manteve-se atento, em busca de portas secretas, até que, afinal, encontrou uma, embutida na parte interna, com um ferrolho enferrujado preso em uma ranhura da parede. Manipulou-o com cuidado e, com um rangido que pareceu terrivelmente alto na quietude, abriu a porta. Olhando para dentro, Kane não viu ninguém, e passando cautelosamente pela abertura, puxou a porta atrás de si, percebendo que ela compunha uma fantástica imagem pintada na parede. Com seu punhal, marcou o ponto em que a mola ficava escondida, pois não sabia quando poderia ter de usar a passagem novamente.

O inglês entrou em um grande salão e, ao cruzar uma fileira de gigantescos pilares, parecidos com os da câmara do trono, sentiu-se como uma criança em uma grande floresta; contudo, eles passavam uma leve sensação de segurança, pois Kane acreditava que, ao passar furtivamente entre tantas colunas, como um fantasma em uma selva, poderia iludir os guerreiros, a despeito de suas habilidades.

O puritano estabeleceu aleatoriamente uma direção e seguiu com prudência. Chegou a escutar um murmúrio de vozes; então, saltou para cima da coluna e agarrou-se nela enquanto duas mulheres passavam. Além delas, não encontrou mais ninguém.