Com um único movimento felino, Le Loup saltou sobre ele, afundando seu punhal até o cabo nas costas do comparsa, bem entre os ombros. Rato foi ao chão sem emitir som algum.

– Por que dividir o saque em dois? – resmungou Le Loup, limpando a lâmina no gibão do homem. – Agora, só falta La Mon.

Ele caminhou até a porta; então, parou e se encolheu. De início, pensou que fosse um homem na entrada do covil; depois, teve certeza de que era um homem mesmo, mas estava tão escuro e o homem, tão imóvel, que a luz da vela derretida lhe dava a fantástica semelhança de uma sombra.

Um homem alto, tão alto quanto Le Loup, vestido de preto da cabeça aos pés, em trajes fechados e recatados que, de algum modo, combinavam com seu rosto sombrio. Braços compridos e ombros largos indicavam que ele era um espadachim, tão nitidamente quanto o florete em sua mão. As feições do homem eram tristes e carregadas. Um tipo de palidez soturna emprestava-lhe um aspecto fantasmagórico sob a luz incerta, um efeito potencializado pela treva satânica de suas sobrancelhas franzidas. Olhos fundos, fixos, miravam o facínora sem piscar, e, olhando dentro deles, Le Loup foi incapaz de concluir de que cor eram. Estranhamente, a aparência mefistofélica das feições vincadas era contrabalançada pela testa ampla, embora esta se encontrasse parcialmente escondida pelo chapéu. Aquela fronte marcava o sonhador, o idealista, o introvertido, assim como os olhos e o nariz reto e afilado denunciavam o fanático. Um observador teria sido arrebatado pelo olhar dos dois homens que lá estavam, encarando um ao outro. Os olhos de ambos denotavam imensas profundidades de poder, mas a semelhança parava aí. Os olhos do bandido eram duros, quase opacos, ainda cintilantes, que refletiam luzes e brilhos mutáveis, como uma estranha gema; havia zombaria naquele olhar, crueldade e imprudência. Por sua vez, os olhos do homem de preto, sob as proeminentes sobrancelhas, eram frios, porém intensos; ao fitá-los, tinha-se a impressão de ver incontáveis braças de gelo.

Agora, os olhos colidiam, e Le Loup, tão habituado a ser temido, sentiu um estranho arrepio na espinha. A sensação era nova para ele, uma excitação diferente para alguém que não admitia provocações, e ele riu repentinamente.

– Suponho que você seja Solomon Kane – ele disse, tentando fazer com que suas palavras soassem polidamente indiferentes.

– Sou Solomon Kane – ressoou a voz de maneira poderosa. – Você está pronto para encontrar seu Deus?

Le Loup respondeu, curvando-se em uma saudação:

– Asseguro, monsieur, que estou tão preparado quanto posso imaginar. Faço ao monsieur a mesma pergunta.

– Sem dúvida, fiz a pergunta de forma errada – disse Kane, franzindo a carranca, antes de reformular a questão. – Está preparado para encontrar seu mestre, o Demônio?

– Quanto a isso, monsieur – Le Loup examinou as próprias unhas com despreocupação elaborada –, devo dizer que, no momento, posso prestar satisfatoriamente minhas contas à sua Excelência Chifruda, embora, de fato, não tenha intenção de fazê-lo... Pelo menos por ora.

Le Loup não se perguntou sobre o destino de La Mon; a presença de Kane na caverna era uma resposta óbvia, que nem sequer precisava dos traços de sangue em seu florete para ser verificada.

– O que gostaria de saber, monsieur – disse o bandido –, é por que diabos você acossou meu bando inteiro e como foi que dizimou aquele último grupo de tolos.

– Sua última questão é facilmente respondida, senhor – replicou Kane. – Eu mesmo espalhei a história de que o eremita possuía um estoque de ouro, sabendo que isso atrairia a sua escória como a carniça seduz os abutres. Por dias e noites eu vigiei o vale, até que, ao ver seu bando chegando, avisei o eremita e, juntos, fomos para trás das árvores, nos fundos da cabana. Quando os vilões entraram na casa, eu bati a pederneira no aço, acendendo a trilha que havia preparado, e as chamas correram pelo mato como uma cobra vermelha até atingir o barril de pólvora deixado sob a cama. Então, a cabana e 13 pecadores foram para o inferno em um estrondoso rugido de chamas e fumaça. É verdade, um escapou, mas este eu teria matado na floresta se não tivesse tropeçado em uma raiz, o que lhe deu tempo de fugir.

Monsieur – disse Le Loup com outra longa saudação –, entrego-lhe a admiração que se deve outorgar a um bravo e arguto inimigo. Contudo, diga-me o seguinte: por que você me seguiu como um lobo segue um veado?

– Algumas luas atrás– explicou Kane, contraindo o semblante, em tom ameaçador –, você e seus demônios saquearam uma pequena vila no sopé do vale. Você conhece os detalhes melhor do que eu. Havia uma garota lá, uma criança, que, na esperança de escapar da sua luxúria, fugiu vale acima; mas você, seu chacal do inferno, a apanhou e, depois de violentá-la, deixou-a para morrer. Eu a encontrei ali, e sobre o cadáver dela decidi que o caçaria e o mataria.

– Humm – divertiu-se Le Loup. – Sim, me lembro da donzela. Mon Dieu, então sentimentos mais nobres se envolvem na questão! Monsieur, não pensava em você como um homem amoroso; não seja ciumento, companheiro, há muitas outras donzelas.

– Cuidado, Le Loup! – exclamou Kane, com voz terrivelmente ameaçadora – Até hoje nunca matei um homem pela tortura, mas, por Deus, você está me tentando!

O tom e, em especial, a inesperada promessa de Kane moderaram o linguajar de Le Loup; seus olhos se estreitaram, e a mão moveu-se em direção à sua espada.