E a terra, noiva, a ansiar, no desejo que a enleva,
Cora e desmaia, ao seio aconchegando o flâmeo,
Entre o pudor da tarde e a tentação da treva.
O Crepúsculo da Beleza
Vê-se no espelho; e vê, pela janela,
A dolorosa angústia vespertina:
Pálido, morre o sol... Mas, ai! termina
Outra tarde mais triste, dentro dela;
Outra queda mais funda lhe revela
O aço feroz, e o horror de outra ruína:
Rouba-lhe a idade, pérfida e assassina,
Mais do que a vida, o orgulho de ser bela!
Fios de prata... Rugas... O desgosto
Enche-a de sombras, como a sufocá-la
Numa noite que aí vem... E no seu rosto
Uma lágrima trêmula resvala,
Trêmula, a cintilar, — como, ao sol posto,
Uma primeira estrela em céu de opala...
O Crepúsculo dos Deuses
Fulge em nuvens, no poente, o Olimpo. O céu delira.
Os deuses rugem. Entre incêndios de ouro e gemas,
Há torrentes de sangue, hecatombes supremas,
Heróis rojando ao chão, troféus ardendo em pira,
Ilíadas, bulcões de gládios e díademas,
Ossa e Pélio tombando, e Zeus em raios de ira,
E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira
Em reverberações de batalhas e poemas...
Mas o vento, embocando as bramidoras trompas,
Clangora. Rolam no ar, de roldão, num tumulto,
Os numes e os titãs, varridos à rajada:
E ódio, furor, tropel, fastígio, glória, pompas,
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Chamas, o Olimpo, — tudo esbate-se, sepulto
Em cinza, em crepe, em fumo, em sonho, em noite, em nada.
Microcosmo
Pensando e amando, em turbilhões fecundos
És tudo: oceanos, rios e florestas;
Vidas brotando em solidões funestas;
Primaveras de invernos moribundos;
A Terra; e terras de ouro em céus profundos,
Cheias de raças e cidades, estas
Em luto, aquelas em raiar de festas;
Outras almas vibrando em outros mundos;
E outras formas de línguas e de povos;
E as nebulosas, gêneses imensas,
Fervendo em sementeiras de astros novos;
E todo o cosmos em perpétuas flamas...
— Homem! és o universo, porque pensas,
E, pequenino e fraco, és Deus, porque amas!
Dualismo
Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Corno se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.
Defesa
Cada alma é um mundo à parte em cada peito...
Nem se conhecem, no auge do transporte,
Os jungidos do vínculo mais forte,
Almas e corpos num casal perfeito:
Dormindo no calor do mesmo leito,
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Votando os corações à mesma sorte,
Consigo levam à velhice e à morte
Um recato de orgulho e de respeito...
Ficam, por toda a vida, as duas vidas
Na mais profunda comunhão estranhas,
No mais completo amor desconhecidas.
E os dois seres, sentindo-se tão perto,
Até num beijo, são duas montanhas
Separadas por léguas de deserto.
A um Triste
Outras almas talvez já foram tuas:
Viveste em outros mundos... De maneira
Que em misteriosas dúvidas flutuas,
Vida de vidas múltiplas herdeira!
Servo da gleba, escravo das charruas
Foste, ou soldado errante na sangueira,
Ou mendigo de rojo pelas ruas,
Ou mártir na tortura e na fogueira...
Por isso, arquejas num pavor sem nome,
Num luto sem razão: velhos gemidos,
Angústias ancestrais de sede e fome,
Dores grandevas, seculares prantos,
Desesperos talvez de heróis vencidos,
Humilhações de vítimas e santos...
Pesadelo
Às vezes, uma vida abominanda
Vives no sono, em que a hórrida matula
Dos íncubos e súcubos te manda
O eco do inferno que referve e ulula.
Um mundo torpe nos teus sonhos anda:
O ódio, a perversidade, a inveja, a gula,
Espíritos da terra, sarabanda
Das grosseiras paixões que a treva açula.
Assim, à noite, no ínvio da floresta,
No mistério das sombras, entre os pios
Dos noitibós, o candomblé se apresta:
Batuques de capetas, rodopios
De curupiras e sacis em festa,
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Em sinistros risinhos e assobios.
A Iara
Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, lara
De cabeleira de ouro e corpo frio.
Entre as ninféias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.
Precipito-me, no ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...
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