Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
Ressurreição
Como às vezes, piedoso, o sol se inclina
Sobre um pântano, e acende-o, e da água ascosa
No atro fundo, ergue Alhambras de ouro e rosa,
Catedrais e Krêmlins de prata fina,
— Também, da alta região que nos domina,
Tu pairas sobre mim, sombra piedosa:
Sinto em mim, como numa nebulosa,
Mundos novos, ardendo em luz divina...
São torres vivas, cúpulas fulgentes,
Zimbórios igneos, toda a arquitetura
Dos sonhos que a ambição do Ideal encerra,
Subindo em largos surtos, em torrentes,
Galgando o céu, para brilhar na altura
E desfazer-se em versos sobre a terra...
Benedicite!
Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o tecto;
E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto,
Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
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Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto;
E0 que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano;
E o que inventou o canto; e o que criou a lira;
E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano...
Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!
Sperate, Creperi!
Não sei. Duvido e espero. Na ansiedade,
Vago, entre vagas sombras. Se não rezo,
Sonho; e invejo dos crentes a humildade
E o orgulho dos filósofos desprezo.
Como um Jó miserável da verdade
E de receios farto como um Creso,
Adormeço a tristeza que me invade
E engano o coração cansado e leso...
Talvez haja na morte o eterno olvido,
Talvez seja ilusão na vida tudo.
Ou geme um deus em cada ser ferido...
Não afirmo, não nego. É vão o estudo.
Quero clamar de horror, porque duvido:
Mas, porque espero, — espero, e fico mudo.
Respostas na Sombra
"Sofro... Vejo envasado em desespero e lama
Todo o antigo fulgor, que tive na alma boa;
Abandona-me a glória; a ambição me atraiçoa;
Que fazer, para ser como os felizes?"
— Ama!
"Amei... Mas tive a cruz, os cravos, a coroa
De espinhos, e o desdém que humilha, e o dó que infama;
Calcinou-me a irrisão na destruidora chama;
Padeço! Que fazer, para ser bom?"
— Perdoa!
"Perdoei... Mas outra vez, sobre o perdão e a prece,
Tive o opróbrio; e outra vez, sobre a piedade, a injúria;
Desvairo! Que fazer, para o consolo?"
— Esquece!
"Mas lembro... Em sangue e fel, o coração me escorre:
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Ranjo os dentes, remordo os punhos, rujo em fúria...
Odeio! Que fazer, para a vingança?"
— Morre!
TRILOGIA
I
Prometeu
Filhas verdes do mar, e ó nuvens, num incenso,
Beijai-me! e bendizei o meu sangue e o meu pranto!
Quando sucumbo e sou vencido, - exulto e venço:
A minha queda é glória e o meu rugido é canto!
Sob os grilhões, espero; escravizado, penso;
E, morto, viverei! Domando a carne e o espanto,
Invadindo de estrela a estrela o Olimpo imenso,
Roubei-lhe na escalada o fogo sacrossanto!
Forjando o ferro, arando o chão, prendendo o raio,
Dei aos homens o ideal que anima, e o pão que [nutre...
Debalde o ódio, e o castigo, e as garras me consomem:
Quando sofro, maior, mais alto, quando caio,
Sou, entre a terra e o céu, entre o Cáucaso e o abutre,
— Sobre o martírio, o orgulho, e, sobre os deuses, Homem!
II
Hércules
Que vale o orgulho? A dor é, como a vida, eterna;
Mas a força defende, e a compaixão redime.
Sou, na humana floresta a planta heróica e terna:
Contra a violência um roble, e pura a prece um vime.
Por onde reviveu, silvando, a hidra de Lema,
Fuzilou no meu braço a cólera sublime;
Os monstros persegui de caverna em caverna,
Sufoquei de antro em antro a peste, a infâmia e o crime:
E, ó Homem, libertei-te!... E, enfim, depondo a clava,
Inerme semideus, sonhei, doce fiandeiro,
De roca e fuso, aos pés de Onfália, num arrulho...
Alma livre no assomo, e na piedade escrava,
Sou raio e beijo, ardor e alívio, águia e cordeiro,
- A força que liberta, e o amor que vence o orgulho!
III
Jesus
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Mas sempre sofrerás neste vale medonho...
Que importa? Redentor e mártir voluntário,
Para a tua miséria um reino imaginário
Invento, glória e paz num futuro risonho.
Para te consolar, no opróbrio do Calvário,
Hóstia e vítima, a carne, o sangue e a alma deponho:
Nasce da minha morte a vida do teu sonho,
E todo o choro humano embebe o meu sudário.
Só liberta a renúncia. Ó triste! a sombra imensa
Dos braços desta cruz espalha sobre o mundo
A utopia celeste, orvalho ao teu suplício.
Sou a misericórdia ilusória da crença:
Sobre a força, a fraqueza; e, sobre o amor fecundo,
A piedade sem glória e o inútil sacrifício!
Dante no Paraíso
...
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