Teatro (Obra Completa)

 

Conversão para EPUB:

 

Este e-book foi revisado em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 2009.

 

 

Esta obra encontra-se, no Brasil, em domínio público, conforme art. 41 da Lei federal n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Sumário

CAPA

Créditos

Hoje avental, amanhã luva

Desencantos

O caminho da porta

O protocolo

Quase ministro

Os deuses de casaca

O bote de rapé

Tu, só tu, puro amor

Não consultes médico

Lição de botânica

As forças caudinas

Hoje avental, amanhã luva

Publicada originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, março de 1860.
Transcrita em Páginas Esquecidas , de Machado de Assis, Rio de Janeiro: Ed Casa Mandarino, 1939.

Comédia em um ato imitada do francês por Machado de Assis

PERSONAGENS

DURVAL

ROSINHA

BENTO

 

Rio de Janeiro — Carnaval de 1859.

(Sala elegante. Piano, canapé, cadeiras, uma jarra de flores em uma mesa à direita alta. Portas laterais no fundo.)

CENA I

ROSINHA (Adormecida no canapé) ;

 

DURVAL (entrando pela porta do fundo)

 

DURVAL

Onde está a Sra. Sofia de Melo?… Não vejo ninguém. Depois de dois anos como venho encontrar estes sítios! Quem sabe se em vez da palavra dos cumprimentos deverei trazer a palavra dos epitáfios! Como tem crescido isto em opulência!…

mas… (vendo Rosinha) Oh! Cá está a criadinha. Dorme!… excelente passatempo…

Será adepta de Epicuro? Vejamos se a acordo… (dá-lhe um beijo)

 

ROSINHA

(acordando)

Ah! Que é isto? (levanta-se) O Sr. Durval? Há dois anos que tinha desaparecido…

Não o esperava.

 

DURVAL

Sim, sou eu, minha menina. Tua ama?

 

ROSINHA

Está ainda no quarto. Vou dizer-lhe que V. S. está (vai para entrar) Mas, espere; diga-me uma coisa.

 

DURVAL

Duas, minha pequena. Estou à tua disposição. (à parte) Não é má coisinha!

 

ROSINHA

Diga-me. V. S. levou dois anos sem aqui pôr os pés: por que diabo volta agora sem mais nem menos?

 

DURVAL

(tirando o sobretudo que deita sobre o canapé) És curiosa. Pois sabe que venho para… para mostrar a Sofia que estou ainda o mesmo.

 

ROSINHA

Está mesmo? moralmente, não?

 

DURVAL

É boa! Tenho então alguma ruga que indique decadência física?

 

ROSINHA

Do físico… não há nada que dizer.

 

DURVAL

Pois do moral estou também no mesmo. Cresce com os anos o meu amor; e o amor é como o vinho do Porto: quanto mais velho, melhor. Mas tu! Tens mudado muito, mas como mudam as flores em botão: ficando mais bela.

 

ROSINHA

Sempre amável, Sr. Durval.

 

DURVAL

Costume da mocidade. (quer dar-lhe um beijo) ROSINHA

(fugindo e com severidade)

Sr. Durval!…

 

DURVAL

E então! Foges agora! Em outro tempo não eras difícil nas tuas beijocas. Ora vamos! Não tens uma amabilidade para este camarada que de tão longe volta!

 

ROSINHA

Não quero graças. Agora é outro cantar! Há dois anos eu era uma tola inexperiente… mas hoje!

 

DURVAL

Está bem. Mas…

 

ROSINHA

Tenciona ficar aqui no Rio?

 

DURVAL

(sentando-se)

Como o Corcovado, enraizado como ele. Já me doíam saudades desta boa cidade.

 

A roça, não há coisa pior! Passei lá dois anos bem insípidos — em uma vida uniforme e matemática como um ponteiro de relógio: jogava gamão, colhia café e plantava batatas. Nem teatro lírico, nem rua do Ouvidor, nem Petalógica! Solidão e mais nada. Mas, viva o amor! Um dia concebi o projeto de me safar e aqui estou.

Sou agora a borboleta, deixei a crisálida, e aqui me vou em busca de vergéis.

(tenta um novo beijo)

 

ROSINHA

(fugindo)

Não teme queimar as asas?

 

DURVAL

Em que fogo? Ah! Nos olhos de Sofia! Está mudada também?

 

ROSINHA

Sou suspeita.