Quem o atender, supõe que se casou comigo pelos impulsos do coração. A verdade é que me esposou por vaidade, e que quer continuar essa lua-de-mel, não por amor, mas pelo susto natural de um proprietário, que receia perder um cabedal precioso.

 

PEDRO ALVES

Oh!

 

CLARA

Não serei um cabedal precioso?

 

PEDRO ALVES

Não digo isso. Protesto, sim, contra as tuas conclusões.

 

CLARA

O protesto é outro hábito do parlamento! Exemplo às mulheres futuras do quanto, no mesmo homem, fica o marido suplantado pelo deputado.

 

PEDRO ALVES

Está bom, Clara, concedo-te tudo.

 

CLARA

Obrigada!

 

PEDRO ALVES

Não se dirá que te contrariei nunca.

 

CLARA

A história há de fazer-te justiça.

 

PEDRO ALVES

Acabemos com isto. Estas pequenas rixas azedam-me o espírito, e não lucramos nada com elas.

 

CLARA

Acho que sim. Deixe de ser ridículo, que eu continuarei nas mais benévolas disposições. Para começar, não vou à partida da minha amiga Carlota. Está satisfeito?

 

PEDRO ALVES

Estou.

 

CLARA

Bem. Não esqueça de ir buscar minha filha. É tempo de apresentá-la à sociedade.

 

A pobre Clarinha deve estar bem desconhecida. Está moça e ainda no colégio. Tem sido um descuido nosso.

 

PEDRO ALVES

Irei buscá-la amanhã.

 

CLARA

Pois bem. (sai)

CENA II

PEDRO ALVES E UM CRIADO

 

PEDRO ALVES

Safa! Que maçada!

 

O CRIADO

Está aí uma pessoa que lhe quer falar.

 

PEDRO ALVES

Faze-a entrar.

CENA III

PEDRO ALVES, LUÍS DE MELO

PEDRO ALVES

Que vejo!

 

LUÍS

Luís de Melo, lembra-se?

 

PEDRO ALVES

Muito. Venha um abraço! Então como está? Quando chegou?

 

LUÍS

Pelo último paquete.

 

PEDRO ALVES

Ah! Não li nos jornais…

 

LUÍS

O meu nome é tão vulgar que facilmente se confunde com os outros.

 

PEDRO ALVES

Confesso que só agora sei que está no Rio de Janeiro. Sentemo-nos. Então andou muito pela Europa?

 

LUÍS

Pela Europa quase nada; a maior parte do tempo gastei em atravessar o Oriente.

 

PEDRO ALVES

Sempre realizou a sua ideia?

 

LUÍS

É verdade, vi tudo o que a minha fortuna podia oferecer aos meus instintos artísticos.

 

PEDRO ALVES

Que de impressões havia de ter! Muito turco, muito árabe, muita mulher bonita, não? Diga-me uma coisa, há também ciúmes por lá?

 

LUÍS

Há.

 

PEDRO ALVES

Contar-me-á a sua viagem por extenso.

 

LUÍS

Sim, com mais descanso. Está de saúde a senhora D. Clara Alves?

 

PEDRO ALVES

De perfeita saúde. Tenho muito que lhe dizer respeito ao que se passou depois que se foi embora.

 

LUIS

Ah!

 

PEDRO ALVES

Passei estes cinco anos no meio da mais completa felicidade. Ninguém melhor saboreou as delícias do casamento. A nossa vida conjugal pode-se dizer que é um céu sem nuvens. Ambos nos desvelamos por agradar um ao outro.

 

LUÍS

É uma lua-de-mel sem ocaso.

 

PEDRO ALVES

E lua cheia.

 

LUÍS

Tanto melhor! Folgo de vê-los felizes. A felicidade na família é uma cópia, ainda que pálida, da bem-aventurança celeste. Pelo contrário, os tormentos domésticos representam na terra o purgatório.

 

PEDRO ALVES

Apoiado!

 

LUÍS

Por isso estimo que acertasse com a primeira.

 

PEDRO ALVES

Acertei. Ora, do que eu me admiro não é do acerto, mas do modo por que de pronto me habituei à vida conjugal. Parece-me incrível. Quando me lembro da minha vida de solteiro, vida de borboleta, ágil e incapaz de pousar definitivamente sobre uma flor…

 

LUÍS

A coisa explica-se. Tal seria o modo por que o enredaram e pregaram com o competente alfinete no fundo desse quadro chamado — lar doméstico!

 

PEDRO ALVES

Sim, creio que é isso.

 

LUÍS

De maneira que hoje é pelo casamento?

 

PEDRO ALVES

De todo o coração.

 

LUÍS

Está feito, perdeu-se um folgazão, mas ganhou-se um homem de bem.

 

PEDRO ALVES

Ande lá. Aposto que também tem vontade de romper a cadeia do passado?

 

LUÍS

Não será difícil.

 

PEDRO ALVES

Pois é o que deve fazer.

 

LUÍS

Veja o que é o egoísmo humano. Como renegou da vida de solteiro, quer que todos professem a religião do matrimônio.

 

PEDRO ALVES

Escusa moralizar.

 

LUÍS

É verdade que é uma religião tão doce!

 

PEDRO ALVES

Ah!… Sabe que estou deputado?

 

LUÍS

Sei e dou-lhe os meus parabéns.

 

PEDRO ALVES

Alcancei um diploma na última eleição. Na minha idade ainda é tempo de começar a vida política, e nas circunstâncias eu não tinha outra a seguir mais apropriada.

Fugindo às antigas parcialidades políticas, defendendo os interesses do distrito que represento, e como o governo mostra zelar esses interesses, sou pelo governo.

 

LUÍS

É lógico.

 

PEDRO ALVES

Graças a esta posição independente, constituí-me um dos chefes da maioria da câmara.

 

LUÍS

Ah! ah!

 

PEDRO ALVES

Acha que vou depressa? Os meus talentos políticos dão razão da celebridade da minha carreira.