Acabo de vê-la; acho-lhe ainda o mesmo rosto: vinte e oito anos, apenas.

 

ROSINHA

Acredito.

 

DURVAL

É ainda a mesma: deliciosa.

 

ROSINHA

Não sei se ela lhe esconde algum segredo.

 

DURVAL

Nenhum.

 

ROSINHA

Pois esconde. Ainda lhe não mostrou a certidão de batismo. (vai sentar-se ao lado oposto)

 

DURVAL

Rosinha! E depois, que me importa? Ela é ainda aquele querubim do passado. Tem uma cintura… que cintura!

 

ROSINHA

É verdade. Os meus dedos que o digam!

 

DURVAL

Hein? E o corado daquelas faces, o alvo daquele colo, o preto daquelas sobrancelhas?

 

ROSINHA

(levantando-se)

Ilusão! Tudo isso é tabuleta do Desmarais; aquela cabeça passa pelas minhas mãos. É uma beleza de pó de arroz: mais nada.

 

DURVAL

(levantando-se bruscamente)

Oh! Essa agora!

 

ROSINHA

(à parte)

 

A pobre senhora está morta!

 

DURVAL

Mas, que diabo! Não é um caso de me lastimar; não tenho razão disso. O tempo corre para todos, e portanto a mesma onda nos levou a ambos folhagens da mocidade. E depois eu amo aquela engraçada mulher!

 

ROSINHA

Reciprocidade; ela também o ama.

 

DURVAL

(com um grande prazer)

Ah!

 

ROSINHA

Duas vezes chegou à estação do campo para tomar o wagon, mas duas vezes voltou para casa. Temia algum desastre da maldita estrada de ferro!

 

DURVAL

Que amor! Só recuou diante da estrada de ferro!

 

ROSINHA

Eu tenho um livro de notas, donde talvez lhe possa tirar provas do amor da Sra.

Sofia. É uma lista cronológica e alfabética dos colibris que por aqui têm esvoaçado.

 

DURVAL

Abre lá isso então!

 

ROSINHA

(folheando um livro)

Vou procurar.

 

DURVAL

Tem aí todas as letras?

 

ROSINHA

Todas. É pouco agradável para V. S.; mas tem todas desde A até o Z.

 

DURVAL

Desejara saber quem foi a letra K.

 

ROSINHA

É fácil; algum alemão.

 

DURVAL

Ah! Ela também cultiva os alemães?

 

ROSINHA

Durval é a letra D. — Ah! Ei-lo: (lendo)

“Durval, quarenta e oito anos de idade…”

 

DURVAL

Engano! Não tenho mais de quarenta e seis.

 

ROSINHA

Mas esta nota foi escrita há dois anos.

 

DURVAL

Razão demais. Se tenho hoje quarenta e seis, há dois tinha quarenta e quatro… e claro!

 

ROSINHA

Nada. Há dois anos devia ter cinquenta.

 

DURVAL

Esta mulher é um logogrifo!

 

ROSINHA

V. S. chegou a um período em sua vida em que a mocidade começa a voltar; em cada ano, são doze meses de verdura que voltam como andorinhas na primavera.

 

DURVAL

Já me cheirava a epigrama. Mas vamos adiante com isso.

 

ROSINHA

(fechando o livro)

Bom! Já sei onde estão as provas. (vai a uma gaveta e tira dela uma carta) Ouça: — “Querida Amélia…

 

DURVAL

Que é isso?

 

ROSINHA

Uma carta da ama a uma sua amiga. “Querida Amélia: o Sr. Durval é um homem interessante, rico, amável, manso como um cordeiro, e submisso como o meu Cupido…” (a Durval) Cupido é um cão d’água que ela tem.

 

DURVAL

A comparação é grotesca na forma, mas exata no fundo. Continua, rapariga.

 

ROSINHA

(lendo)

“Acho-lhe contudo alguns defeitos…

 

DURVAL

Defeitos?

 

ROSINHA

“Certas maneiras, certos ridículos, pouco espírito, muito falatório, mas afinal um marido com todas as virtudes necessárias…

 

DURVAL

É demais

 

ROSINHA

“Quando eu conseguir isso, peço-te que venhas vê-lo como um urso na chácara do Souto.

 

DURVAL

Um urso!

 

ROSINHA

(lendo)

“Esquecia-me de dizer-te que o Sr. Durval usa de cabeleira.” (fecha a carta)

 

DURVAL

Cabeleira! É uma calúnia! Uma calúnia atroz! (levando a mão ao meio da cabeça, que está calva) Se eu usasse de cabeleira…

 

ROSINHA

Tinha cabelos, é claro.

 

DURVAL

(passeando com agitação)

Cabeleira! E depois fazer-me seu urso como um marido na chácara do Souto.

 

ROSINHA

(às gargalhadas)

Ah! ah! ah! (vai-se pelo fundo)

CENA VII

DURVAL

(passeando)

 

É demais! E então quem fala! uma mulher que tem umas faces… Oh! é o cúmulo da impudência! É aquela mulher furta-cor, aquele arco-íris que tem a liberdade de zombar de mim!… (procurando) Rosinha! Ah! foi-se embora… (sentando-se) Oh!

Se eu me tivesse conservado na roça, ao menos lá não teria dessas apoquentações!…Aqui na cidade, o prazer é misturado com zangas de acabrunhar o espírito mais superior! Nada! (levanta-se) Decididamente volto para lá…

Entretanto, cheguei há pouco… Não sei se deva ir; seria dar cavaco com aquela mulher; e eu… Que fazer? Não sei, deveras!

CENA VIII

DURVAL e BENTO (de paletó, chapéu de palha, sem botas)

BENTO

(mudando a voz)

Para a Sra. Rosinha. (põe o ramalhete sobre a mesa)

 

DURVAL

Está entregue.

 

BENTO

(à parte)

Não me conhece! Ainda bem.

 

DURVAL

Está entregue.

 

BENTO

Sim, senhor! (sai pelo fundo)

CENA IX

DURVAL

(só, indo buscar o ramalhete)

Ah!ah!flores! A Sra. Rosinha tem quem lhe mande flores! Algum boleeiro estúpido.

Estas mulheres são de um gosto esquisito às vezes! — Mas como isto cheira! Dir-se-ia um presente de fidalgo! (vendo a cartinha) Oh! que é isto? Um bilhete de amores! E como cheira! Não conheço esta letra; o talho é rasgado e firme, como de quem desdenha. (levando a cartinha ao nariz) Essência de violeta, creio eu. É uma planta obscura, que também tem os seus satélites. Todos os têm. Esta cartinha é um belo assunto para uma dissertação filosófica e social.