Com efeito: quem diria que esta moça, colocada tão baixo, teria bilhetes perfumados!… (leva
ao nariz) Decididamente é essência de magnólias!
CENA X
ROSINHA (no fundo) DURVAL (no proscênio)
ROSINHA
(consigo)
Muito bem! Lá foi ela visitar a sua amiga no Botafogo. Estou completamente livre.
(desce)
DURVAL
(escondendo a carta)
Ah! és tu? Quem te manda destes presentes?
ROSINHA
Mais um. Dê-me a carta.
DURVAL
A carta? É boa! é coisa que não vi.
ROSINHA
Ora não brinque! Devia trazer uma carta. Não vê que um ramalhete de flores é um estafeta mais seguro do que o correio da corte!
DURVAL
(dando-lhe a carta)
Aqui a tens; não é possível mentir.
ROSINHA
Então! (lê o bilhete)
DURVAL
Quem é o feliz mortal?
ROSINHA
Curioso!
DURVAL
É moço ainda?
ROSINHA
Diga-me: é muito longe daqui a sua roça?
DURVAL
É rico, é bonito?
ROSINHA
Dista muito da última estação?
DURVAL
Não me ouves, Rosinha?
ROSINHA
Se o ouço! É curioso, e vou satisfazer-lhe a curiosidade. É rico, é moço e é bonito.
Está satisfeito?
DURVAL
Deveras! E chama-se?…
ROSINHA
Chama-se… Ora eu não me estou confessando!
DURVAL
És encantadora!
ROSINHA
Isso é velho. É o que me dizem os homens e os espelhos. Nem uns nem outros mentem.
DURVAL
Sempre graciosa!
ROSINHA
Se eu o acreditar, arrisca-se a perder a liberdade… tomando uma capa…
DURVAL
De marido, queres dizer (à parte) ou de um urso! (alto) Não tenho medo disso.
Bem vês a alta posição… e depois eu prefiro apreciar-te as qualidades de fora.
Talvez leve a minha amabilidade a fazer-te um madrigal.
ROSINHA
Ora essa!
DURVAL
Mas, fora com tanto tagarelar! Olha cá! Eu estou disposto a perdoar aquela carta; Sofia vem sempre ao baile?
ROSINHA
Tanto como o imperador dos turcos… Recusa.
DURVAL
Recusa! É o cúmulo da… E por que recusa?
ROSINHA
Eu sei lá! Talvez um nervoso; não sei!
DURVAL
Recusa! Não faz mal… Não quer vir, tanto melhor! Tudo está acabado, Sra. Sofia de Melo! Nem uma atenção ao menos comigo, que vim da roça por sua causa unicamente! Recebe-me com agrado, e depois faz-me destas!
ROSINHA
Boa noite, Sr. Durval.
DURVAL
Não te vás assim; conversemos ainda um pedaço.
ROSINHA
Às onze horas e meia… interessante conversa!
DURVAL
(sentando-se)
Ora que tem isso? Não são horas que fazem a conversa interessante, mas os interlocutores.
ROSINHA
Ora tenha a bondade de não dirigir cumprimentos.
DURVAL
Mal sabes que tens as mãos, como as de uma patrícia romana; parecem calçadas de luva, se é que uma luva pode ter estas veias azuis como rajadas de mármore.
ROSINHA
(à parte)
Ah! Hein!
DURVAL
E esses olhos de Helena!
ROSINHA
Ora!
DURVAL
E estes bravos de Cleópatra!
ROSINHA
(à parte)
Bonito!
DURVAL
Apre! Queres que esgote a história?
ROSINHA
Oh! não!
DURVAL
Então por que se recolhe tão cedo a estrela d’alva?
ROSINHA
Não tenho outra coisa a fazer diante do sol.
DURVAL
Ainda um cumprimento! (vai à caixa de papelão) Olha cá. Sabes o que há aqui?
um dominó.
ROSINHA
(aproximando-se)
Cor-de-rosa! Ora vista, há de ficar-lhe bem.
DURVAL
Dizia um célebre grego: dê-me pancadas, mas ouça-me! — Parodio aquele dito: — Ri, graceja, como quiseres, mas hás de escutar-me: (desdobrando o dominó) não achas bonito?
ROSINHA
(aproximando-se)
Oh! decerto!
DURVAL
Parece que foi feito para ti!… É da mesma altura. E como te há de ficar! Ora, experimenta!
ROSINHA
Obrigado.
DURVAL
Ora vamos! experimenta; não custa.
ROSINHA
Vá feito se é só para experimentar.
DURVAL
(vestindo-lhe o dominó)
Primeira manga.
ROSINHA
E segunda! (veste-o de todo)
DURVAL
Delicioso. Mira-te naquele espelho. (Rosinha obedece) Então!
ROSINHA
(passeando)
Fica-me bem?
DURVAL
(seguindo-a)
A matar! a matar! (à parte) A minha vingança começa, Sra. Sofia de melo! (a
Rosinha) Estás esplêndida! Deixa dar-te um beijo?
ROSINHA
Tenha mão.
DURVAL
Isso agora é que não tem grata!
ROSINHA
Em que oceano de fitas e de sedas estou mergulhada! (dá meia-noite) Meia-noite!
DURVAL
Meia-noite!
ROSINHA
Vou tirar o dominó… é pena!
DURVAL
Qual tirá-lo! Fica com ele. (pega no chapéu e nas luvas) ROSINHA
Não é possível.
DURVAL
Vamos ao baile mascarado.
ROSINHA
(à parte)
Enfim. (alto) Infelizmente não posso.
DURVAL
Não pode? e então por quê?
ROSINHA
É segredo.
DURVAL
Recusas? Não sabes o que é um baile. Vais ficar extasiada. É um mundo fantástico, ébrio, movediço, que corre, que salta, que ri, em um turbilhão de harmonias extravagantes!
ROSINHA
Não posso ir. (batem à porta) [ à parte] É Bento.
DURVAL
Quem será?
ROSINHA
Não sei. (indo ao fundo) Quem bate?
BENTO
(fora com a voz contrafeita)
O hidalgo Don Alonso da Sylveira y Zorrilla y Guclines y Guatinara y Marouflas de la Vega !
DURVAL
(Assustado)
É um batalhão que temos à porta! A Espanha muda-se para cá?
ROSINHA
Caluda! Não sabe quem está ali? É um fidalgo da primeira nobreza de Espanha.
Fala à rainha de chapéu na cabeça.
DURVAL
E que quer ele?
ROSINHA
A resposta daquele ramalhete.
DURVAL
(dando um pulo)
Ah! Foi ele…
ROSINHA
Silêncio!
BENTO
(fora)
É meia-noite. O baile vai começar.
ROSINHA
Espere um momento.
DURVAL
Que espere! Mando-o embora. (à parte) É um fidalgo!
ROSINHA
Mandá-lo embora? Pelo contrário; vou mudar de dominó e partir com ele.
DURVAL
Não, não; não faças isso!
BENTO
(fora)
É meio-noite e cinco minutos. Abre a porta a quem deve ser teu marido.
DURVAL
Teu marido!
ROSINHA
E então!
BENTO
Abre! abre!
DURVAL
É demais! Estás com o meu dominó… hás de ir comigo ao baile!
ROSINHA
Não é possível; não se trata a um fidalgo espanhol como a um cão. Devo ir com ele.
DURVAL
Não quero que vás.
ROSINHA
Hei de ir.(dispõe-se a tirar o dominó) Tome lá…
DURVAL
(impedindo-a)
Rosinha, ele é um espanhol, e além de espanhol, fidalgo. Repara que é uma dupla cruz com que tens de carregar.
ROSINHA
Qual cruz! E não se casa ele comigo?
DURVAL
Não caias nessa!
BENTO
(fora)
Meia-noite e dez minutos! então vem ou não vem?
ROSINHA
Lá vou. (a Durval) Vê como se impacienta! Tudo aquilo é amor!
DURVAL
(com explosão)
Amor! E se eu te desse em troca daquele amor castelhano, um amor brasileiro ardente e apaixonado? Sim, eu te amo, Rosinha; deixa esse espanhol tresloucado!
ROSINHA
Sr. Durval!
DURVAL
Então, decide!
ROSINHA
Não grite! Aquilo é mais forte do que um tigre de Bengala.
DURVAL
Deixa-o; eu matei as onças do Maranhão e já estou acostumado com esses animais. Éntão? Vamos! Eis-me a teus pés, ofereço-te a minha mão e a minha fortuna!
ROSINHA
(à parte)
Ah… (alto) Mas o fidalgo?
BENTO
(fora)
É meia-noite e doze minutos!
DURVAL
Manda-o embora, ou senão, espera. (levanta-se) Vou matá-lo; é o meio mais pronto.
ROSINHA
Não, não; evitemos a morte. Para não ver correr sangue, aceito a sua proposta.
DURVAL
(com regozijo)
Venci o castelhano! É um magnífico triunfo! Vem, minha bela; o baile nos espera!
ROSINHA
Vamos.
1 comment