Mas repare na enormidade do sacrifício.
DURVAL
Serás compensada, Rosinha. Que linda peça de entrada! (à parte) São dois os enganados — o fidalgo e Sofia (alto) Ah! ah! ah!
ROSINHA
(rindo também)
Ah! Ah! Ah! (à parte) Eis-me vingada!
DURVAL
Silêncio! (vão pé ante pela porta da esquerda. Sai Rosinha primeiro, e Durval, da
soleira da porta para a porta do fundo, a rir às gargalhadas)
CENA última
BENTO
(abrindo a porta do fundo)
Ninguém mais! Desempenhei a meu papel: estou contente! Aquela subiu um degrau na sociedade. Deverei ficar assim? Alguma baronesa não me desdenharia decerto. Virei mais tarde. Por enquanto, vou abrir a portinhola. (vai a sair e cai o
pano)
FIM
Desencantos
Teatro de Machado de Assis, org. de João Roberto Faria, São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Publicado originalmente por Paula Brito, Rio de Janeiro, 1861.
Fantasia Dramática
À
Quintino Bocaiúva
PERSONAGENS
CLARA DE SOUZA
LUÍS DE MELO
PEDRO ALVES
PRIMEIRA PARTE
Em Petrópolis
(Um jardim. Terraço no fundo. )
CENA I
CLARA, LUÍS DE MELO
CLARA
Custa a crer o que me diz. Pois, deveras, saiu aborrecido do baile?
LUÍS
É verdade.
CLARA
Dizem entretanto que esteve animado…
LUÍS
Esplêndido!
CLARA
Esplêndido, sim!
LUÍS
Maravilhoso!
CLARA
Essa é pelo menos a opinião geral. Se eu lá fosse, estou certa de que seria a minha.
LUÍS
Pois eu lá fui e não é essa a minha opinião.
CLARA
É difícil de contentar nesse caso.
LUÍS
Oh! não.
CLARA
Então as suas palavras são um verdadeiro enigma.
LUÍS
Enigma de fácil decifração.
CLARA
Nem tanto.
LUÍS
Quando se dá preferência a uma flor, à violeta, por exemplo, todo o jardim onde ela não apareça, embora esplêndido, é sempre incompleto.
CLARA
Faltava então uma violeta nesse jardim?
LUÍS
Faltava. Compreende agora?
CLARA
Um pouco
LUÍS
Ainda bem!
CLARA
Venha sentar-se neste banco de relva, à sombra desta árvore copada. Nada lhe falta para compor um idílio, já que é dado a esse gênero de poesia. Tinha então muito interesse em ver lá essa flor?
LUÍS
Tinha. Com a mão na consciência, falo-lhe a verdade; essa flor não é uma predileção do espírito, é uma escolha do coração.
CLARA
Veja que se trata de uma paixão. Agora compreendo a razão por que não lhe agradou o baile, e o que era enigma, passa a ser a coisa mais natural do mundo.
Está absolvido do seu delito.
LUÍS
Bem vê que tenho circunstâncias atenuantes a meu favor.
CLARA
Então o Senhor ama?
LUÍS
Loucamente, e como se pode amar aos vinte e dois anos, com todo o ardor de um coração cheio de vida. Na minha idade o amor é uma preocupação exclusiva, que se apodera do coração e da cabeça. Experimentar outro sentimento, que não seja esse, pensar em outra coisa, que não seja o objeto escolhido pelo coração, é impossível. Desculpe se lhe falo assim…
CLARA
Pode continuar. Fala com um entusiasmo tal, que me fez parecer estar ouvindo algumas das estrofes do nosso apaixonado Gonzaga.
LUÍS
O entusiasmo do amor é porventura o mais vivo e ardente.
CLARA
E por isso o menos duradouro. É como a palha que se inflama com intensidade, mas que se apaga logo depois.
LUÍS
Não aceito a comparação. Pois Deus havia de inspirar ao homem esse sentimento, tão suscetível de morrer assim? Demais, a prática mostra o contrário.
CLARA
Já sei. Vem falar-me de Heloísa e Abelardo, Píramo e Tisbe, e quanto exemplo a história e a fábula nos dão. Esses não provam. Mesmo porque são exemplos raros, é que a história os aponta. Fogo de palha, fogo de palha e nada mais.
LUÍS
Pesa-me que de seus lábios saiam essas palavras.
CLARA
Por quê?
LUÍS
Porque eu não posso admitir a mulher sem os grandes entusiasmos do coração.
Chamou-me há pouco de poeta; com efeito eu assemelho-me por esse lado aos filhos queridos das musas. Esses imaginam a mulher um ente intermediário que separa os homens dos anjos e querem-na participante das boas qualidades de uns e de outros. Dir-me-á que se eu fosse agiota não pensaria assim; eu responderei que não são os agiotas os que têm razão neste mundo.
CLARA
Isso é que é ver as coisas através de um vidro de cor. Diga-me: sente deveras o que diz a respeito do amor, ou está fazendo uma profissão de fé de homem político?
LUÍS
Penso e sinto assim.
CLARA
Dentro de pouco tempo verá que tenho razão.
LUÍS
Razão de quê?
CLARA
Razão de chamar fogo de palha ao fogo que lhe devora o coração.
LUÍS
Espero em Deus que não.
CLARA
Creia que sim.
LUÍS
Falou-me há pouco em fazer um idílio, e eu estou com desejos de compor uma ode sáfica.
CLARA
A que respeito?
LUÍS
Respeito à crueldade das violetas.
CLARA
E depois ia atirar-se à torrente do Itamaraty? Ah! Como anda atrasado do seu século!
LUÍS
Ou adiantado…
CLARA
Adiantado, não creio. Voltaremos nós à simplicidade antiga?
LUÍS
Oh! Tinha razão aquela pobre poetisa de Lesbos em atirar-se às ondas.
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