Encontrou na morte o esquecimento das suas dores íntimas. De que lhe servia viver amando sem esperança?

 

CLARA

Dou-lhe de conselho que perca esse entusiasmo pela Antiguidade. A poesia de Lesbos quis figurar na história com uma face melancólica; atirou-se de Leucate.

Foi cálculo e não virtude.

 

LUÍS

Está pecando, minha senhora.

 

CLARA

Por blasfemar do seu ídolo?

 

LUÍS

Por blasfemar de si. Uma mulher nas condições da décima musa nunca obra por cálculo. E V. Exa., por mais que [não] queira, deve estar nas mesmas condições de sensibilidade, que a poetisa antiga, bem como está nas de beleza.

CENA II

LUÍS DE MELO, CLARA, PEDRO ALVES

PEDRO ALVES

Boa tarde, minha interessante vizinha. Sr. Luís de Melo!

 

CLARA

Faltava o primeiro folgazão de Petrópolis, a flor da emigração!

 

PEDRO ALVES

Nem tanto assim.

 

CLARA

Estou encantada por ver assim a meu lado os meus dois vizinhos, o da direita e o da esquerda.

 

PEDRO ALVES

Estavam conversando? Era segredo?

 

CLARA

Oh! não. O Sr. Luís de Melo fazia-se um curso de história depois de ter feito outro de botânica. Mostrava-me a sua estima pela violeta e pela Safo.

 

PEDRO ALVES

E que dizia a respeito de uma e de outra?

 

CLARA

Erguia-as às nuvens. Dizia que não considerava jardim sem violeta, e quanto ao salto de Leucate, batia palmas com verdadeiro entusiasmo.

 

PEDRO ALVES

E ocupava V. Exa. com essas coisas? Duas questões banais. Uma não tem valor moral, outra não tem valor atual.

 

LUÍS

Perdão, o senhor chegava quando eu ia concluir o meu curso botânico e histórico.

Ia dizer que também detesto as parasitas de todo o gênero, e que tenho asco aos histriões de Atenas. Terão estas duas questões valor moral e atual?

 

PEDRO ALVES

(enfiado)

Confesso que não compreendo.

 

CLARA

Diga-me, Sr. Pedro Alves: foi à partida de ontem à noite?

 

PEDRO ALVES

Fui, minha senhora.

 

CLARA

Divertiu-se?

 

PEDRO ALVES

Muito. Dancei e joguei a fartar, e quanto a doces, não enfardei mal o estômago.

Foi uma deslumbrante função. Ah! notei que não estava lá.

 

CLARA

Uma maldita enxaqueca reteve-me em casa.

 

PEDRO ALVES

Maldita enxaqueca!

 

CLARA

Consola-me a ideia de que não fiz falta.

 

PEDRO ALVES

Como? Não fez falta?

 

CLARA

Cuido que todos seguiram o seu exemplo e que dançaram e jogaram a fartar, não enfardando mal o estômago, quanto a doces.

 

PEDRO ALVES

Deu um sentido demasiado literal às minhas palavras.

 

CLARA

Pois não foi isso que me disse?

 

PEDRO ALVES

Mas eu queria dizer outra coisa.

 

CLARA

Ah! Isso é outro caso. Entretanto acho que é dado a qualquer divertir-se ou não num baile, e por consequência dizê-lo.

 

PEDRO ALVES

A qualquer, D. Clara!

 

CLARA

Aqui está o nosso vizinho que acaba de me dizer que se aborreceu no baile…

 

PEDRO ALVES

(consigo)

Ah!(alto) De fato, eu o vi entrar e sair pouco depois com ar assustadiço e penalizado.

 

LUÍS

Tinha de ir tomar chá em casa de um amigo e não podia faltar.

 

PEDRO ALVES

Ah! foi tomar chá. Entretanto correram certos boatos depois que o senhor saiu.

 

LUÍS

Boatos?

 

PEDRO ALVES

É verdade. Houve quem se lembrasse de dizer que o senhor saíra logo por não ter encontrado da parte de uma dama que lá estava o acolhimento que esperava.

 

CLARA

(olhando para Luís)

Ah!

 

LUÍS

Oh! isso é completamente falso. Os maldizentes estão por toda parte, mesmo nos bailes; e desta vez não houve tino na escolha dos convidados.

 

PEDRO ALVES

Também é verdade. (baixo a Clara) Recebeu o meu bilhete?

 

CLARA

(depois de um olhar)

Como é bonito o pôr-do-sol! Vejam que magnífico espetáculo!

 

LUÍS

É realmente encantador!

 

PEDRO ALVES

Não é feio; tem mesmo alguma coisa de grandioso. (vão ao terraço) LUÍS

Que colorido e que luz!

 

CLARA

Acho que os poetas têm razão em celebrarem esta hora final do dia!

 

LUÍS

Minha senhora, os poetas têm sempre razão. E quem não se extasiará diante deste quadro?

 

CLARA

Ah!

 

LUÍS E PEDRO ALVES

O que é?

 

CLARA

É o meu leque que caiu! Vou mandar apanhá-lo.

 

PEDRO ALVES

Como apanhar? Vou eu mesmo.

 

CLARA

Ora, tinha que ver! Vamos para a sala e eu mandarei buscá-lo.

 

PEDRO ALVES

Menos isso. Deixe-me a glória de trazer-lhe o leque.

 

LUÍS

Se consente, eu faço concorrência ao desejo do Sr. Pedro Alves…

 

CLARA

Mas então apostaram-se?

 

LUÍS

Mas se isso é um desejo de nós ambos. Decida.

 

PEDRO ALVES

Então o senhor quer ir?

 

LUÍS

(a Pedro Alves)

Não vê que espero a decisão?

 

PEDRO ALVES

Mas a ideia é minha.