O jardim estava deserto, os portões, fechados. Vagueei por ali e fui parar debaixo de uma janela. Ah! Eu bem que a conhecia! Um suave crepúsculo bruxuleava no quarto. As cortinas estavam semiabertas. Era o templo da inocência e da beleza. O esplendor do quarto era temperado, por assim dizer, pelas leves desarrumações ocasionadas pelo ser que o habitava, e todos os objetos espalhados em volta exibiam o gosto daquela que o consagrava com sua presença. Eu a vi entrar com passinhos rápidos e se aproximar da janela. Abriu a cortina ainda mais e procurou com os olhos dentro da noite. A brisa fresca brincava entre suas madeixas e as afastava do mármore transparente de seu cenho. Ela apertou as mãos, ergueu os olhos para o céu. Ouvi sua voz. “Guido!”, murmurou suavemente, “meu Guido!”, e então, como se dominada pela plenitude de seu próprio coração, caiu de joelhos. Os olhos estavam erguidos, a atitude, negligente mas graciosa, e o reluzente agradecimento iluminava seu rosto. Oh, essas são palavras brandas! Coração meu, tu sempre podes imaginar, embora não consigas retratar, a beleza celestial daquela filha da luz e do amor.
Ouvi passadas, rápidas e firmes passadas, ao longo da via sombreada. Então vi um cavalheiro, ricamente vestido, jovem e belo, avançar. Escondi-me, mas me mantive perto. O jovem se aproximou e parou debaixo da janela. Juliet levantou-se e, novamente olhando para fora, ela o viu e disse...
Oh! Não consigo, a essa distância de tempo não consigo recordar os termos de suave e eloquente ternura de Juliet; para mim eles foram falados, mas foram respondidos por ele.
– Eu não irei – bradou ele. – Aqui, onde tu tens vivido, onde tua memória paira como um fantasma visitante do céu, passarei as longas horas até nos encontrarmos, e nunca, minha Juliet, novamente, dia ou noite, nos separaremos. Mas tu, meu amor, recolhe-te; a fria manhã e a brisa espasmódica tornarão tuas faces pálidas e encherão de languidez teus olhos iluminados pelo amor. Ah, mais doce de todas, pudesse eu pousar um beijo neles! Eu poderia, penso, descansar.
Então ele se aproximou ainda mais e, pensei eu, estava para subir até o quarto dela. Eu havia hesitado, para não aterrorizá-la; agora não era mais senhor de mim mesmo. Corri para lá, joguei-me em cima dele e afastei-o com um empurrão. Gritei:
– Ó infeliz, asqueroso e malformado!
Não preciso repetir epítetos, todos, aparentemente, pretendendo injuriar uma pessoa pela qual, agora, sinto certa predileção. Um grito agudo emergiu dos lábios de Juliet. Eu nem ouvi nem vi mais nada, senti apenas meu inimigo, cuja garganta agarrei, e o cabo de minha adaga; ele se debateu, mas não conseguiu escapar; afinal, roucamente, pronunciou estas palavras:
– Faça-o!... acerte-me! Destrua este corpo... você ainda viverá, que sua vida seja longa e feliz!
A adaga que descia deteve-se com tais palavras, e ele, sentindo meu aperto relaxar, desprendeu-se e sacou sua espada, enquanto o rebuliço na casa e o voo de tochas de um aposento a outro mostravam que logo seríamos separados, e eu, oh, era melhor que morresse! Assim, tampouco me importava se ele não sobrevivesse. Em meio à minha agitação, havia muita maquinação: se eu caísse e, desse modo, ele não sobrevivesse, não ligaria para o golpe mortal que eu poderia desferir contra mim mesmo. Ao mesmo tempo, portanto, que ele pensava que eu tivesse parado e ao mesmo tempo que eu percebia o vilão tirar vantagem de minha hesitação, no súbito golpe que desferiu contra mim, joguei-me em sua espada e, no mesmo instante, enfiei a minha adaga, com uma mira verdadeiramente desesperada, em seu flanco.
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