Mas não era eu, era ele, o demônio, metido nos meus membros, falando com minha voz, cativando-a com meu olhar de amor. Esforcei-me para alertá-la, mas minha língua recusou-se ao seu ofício; esforcei-me para arrancá-lo dela, mas eu estava enraizado no chão. Acordei com a agonia.
Ali estavam os solitários precipícios cobertos de branco. Ali estava o mar esparramando-se, a praia deserta e o céu azul acima de tudo. O que aquilo significava? Teria sido o meu sonho apenas um espelho da verdade? Estaria ele cortejando e cativando minha noiva? Eu retornaria de imediato a Gênova, mas fui desterrado. Soltei uma risada – o berro do anão irrompeu dos meus lábios. Desterrado! Oh, não! Não desterraram estes quatro membros que uso; talvez consiga entrar com eles na minha cidade natal, sem medo de incorrer na ameaçada pena de morte.
Comecei a caminhar em direção a Gênova. De algum modo, já estava me acostumando aos meus membros tortos; nenhum era adaptado para um movimento direto à frente; foi com infinita dificuldade que avancei. E também quis evitar as aldeias espalhadas aqui e ali à beira-mar, pois relutava em exibir a minha feiura. Não tinha muita certeza de que, se me vissem, os meninos não me apedrejariam até a morte quando eu passasse, pois era um monstro. Recebi alguns cumprimentos indelicados dos poucos camponeses ou pescadores que encontrei por acaso. Mas era noite escura quando me aproximava de Gênova. O tempo estava tão fragrante e suave que me ocorreu que o marquês e sua filha provavelmente teriam deixado a cidade e ido para seu retiro no campo. Foi de Villa Torella que eu tentara raptar Juliet; eu tinha levado mais de uma hora fazendo o reconhecimento do lugar e conhecia cada pedaço de chão de seu entorno. A villa ficava belamente situada, cercada de árvores, à beira de um riacho. Ao me aproximar, tornou-se evidente que minha conjectura estava correta; não somente isso, mas que aqueles momentos estavam sendo dedicados a festim e distrações, pois a casa estava toda iluminada. Fragmentos de música suave e alegre adejavam na brisa em minha direção. Meu coração sucumbiu dentro de mim. Tal era a generosa bondade do coração de Torella que eu tinha certeza de que ele não estaria se permitindo manifestações públicas de contentamento, justamente após meu infeliz desterro, mas que o fazia por um motivo que eu desconhecia.
O pessoal do campo estava todo contente e acorrendo aos bandos; tornou-se necessário que eu pensasse em me esconder; e no entanto desejava me dirigir a um deles, ou ouvir outros conversar, ou, de qualquer modo, saber o que estava de fato acontecendo. Finalmente, penetrando nas alamedas que ficavam na vizinhança imediata da mansão, encontrei uma bastante escura para ocultar minha excessiva hediondez; assim como eu, havia outros demorando-se em suas sombras.
Em pouco tempo, descobri tudo o que queria saber – tudo o que primeiro fez meu coração parar horrorizado e depois ferver de indignação. Amanhã, Juliet seria entregue ao arrependido, recuperado, amado Guido. Amanhã, minha noiva se casaria com um demônio do inferno! E isso se deve a mim! Meu maldito orgulho, minha demoníaca violência e perversa autoidolatria haviam causado aquela tragédia.
Tivesse eu agido como o infeliz que roubara o meu corpo, tivesse eu, com um semblante ao mesmo tempo submisso e digno, me apresentado a Torella, dizendo: errei, perdoe-me, sou indigno de sua criança-anjo, mas me permita reivindicá-la daqui por diante, quando minha conduta modificada mostrará que renunciei a meus vícios e me esforçarei para ser, de algum modo, digno dela. Lutarei contra os infiéis e, quando meu fervor pela religião e minha verdadeira penitência pelo passado aparecerem, para que você perdoe meus crimes, permita-me novamente chamar a mim mesmo de seu filho. Assim tinha ele falado, e o penitente fora bem recebido; assim como para o filho pródigo das Escrituras, o bezerro engordado fora abatido para ele; e ele, ainda seguindo o mesmo caminho, mostrou um arrependimento tão sincero de seus desatinos, uma concessão tão humilde de todos os seus direitos e uma resolução tão ardente de readquiri-los com uma vida de contrição e virtude que rapidamente conquistou o bondoso velho; e o pleno perdão, e a entrega de sua adorável criança seguiram-se numa rápida sucessão.
Oh! Tivesse um anjo do paraíso me sussurrado que agisse assim! Mas agora o que seria da sorte da inocente Juliet? Permitiria Deus a infame união que a destruiria, ligando o desonrado nome de Carega ao pior dos crimes? Amanhã, na alvorada, eles iam se casar. Só havia um meio de evitar isso: enfrentar o meu inimigo e obrigá-lo à ratificação de nosso acordo. Eu sentia que isso só poderia ser feito com uma luta mortal.
Eu não possuía espada – isso se, por acaso, meus braços tortos conseguissem manejar a arma de um soldado –, mas tinha uma adaga, e nela repousava toda a minha esperança. Não havia tempo para ponderar sobre a questão ou avaliá-la satisfatoriamente. Eu poderia morrer na tentativa, mas, além do ciúme abrasador e do desespero do meu próprio coração, a honra, a simples humanidade, exigiam que eu tombasse se não destruísse as maquinações do demônio.
Os convidados partiram. As luzes começaram a se apagar; era evidente que os habitantes da villa buscavam o repouso. Escondi-me entre as árvores.
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