Torella nem se aproximou de mim. Não admirava que meu segundo pai devesse esperar de minha parte uma deferência de filho em visitá-lo primeiro. Mas, irritado e aguilhoado pelo conhecimento de minha insensatez e de meu demérito, eu tentava jogar a culpa nos outros.
Continuamos a manter orgias noturnas no palácio Carega. Às noites insones, descomedidas, seguiam-se manhãs lânguidas, indolentes. À hora da ave-maria, mostrávamos nossas graciosas imagens nas ruas, zombando dos cidadãos sóbrios, lançando olhares insolentes às mulheres retraídas. Juliet não estava entre elas – não, não; caso estivesse, a vergonha teria me expulsado para longe, se o amor não me fizesse ajoelhar a seus pés.
Cansei-me daquilo. Subitamente, fiz uma visita ao marquês. Ele estava em sua villa, uma entre as muitas que embelezavam o subúrbio de San Pietro d’Arena. Era maio – um mês de maio naquele jardim do mundo onde as florescências das árvores frutíferas desapareciam em meio à densa folhagem verde, as videiras se projetavam à frente, as flores caídas das oliveiras esparramavam-se no solo, os vaga-lumes estavam na sebe de murta, céu e terra vestiam um manto de insuperável beleza. Torella me recebeu amavelmente, embora sério; e até mesmo sua aura de desprazer logo se desfez. Alguma semelhança com meu pai – um certo olhar e o tom de jovem ingenuidade ainda ocultando-se, a despeito de meus descaminhos, amoleceram o coração do velho homem. Ele mandou chamar a filha e me apresentou a ela como seu noivo.
Quando ela entrou, o aposento tornou-se santificado por uma luz sagrada. Eram dela aquele olhar angelical, aqueles olhos grandes, suaves, covinhas nas faces e a boca de uma doçura infantil que expressa a rara união de felicidade e amor. A admiração primeiro me possuiu. Ela é minha! Essa foi a segunda vaidosa emoção, e meus lábios se torceram com arrogante triunfo. Eu não teria sido o queridinho mimado das beldades da França se não tivesse aprendido a arte de agradar o vulnerável coração feminino. Se, em relação aos homens, eu era soberbo, a deferência que prestava a elas era mais do que um contraste. Iniciei minha corte com a exibição de mil galanteios a Juliet, que, prometida a mim desde a infância, jamais aceitara a devoção de outros e que, embora acostumada a expressões de admiração, era inexperiente na linguagem dos amantes.
Por alguns dias, tudo foi bem. Torella nunca se referia à minha extravagância; tratava-me como a um filho favorito. Mas chegou o momento, ao discutirmos as preliminares de minha união com sua filha, em que o belo aspecto das coisas seria obscurecido. Um contrato fora assinado na época de meu pai. Eu, de fato, o tinha tornado nulo, tendo em vista que dissipara toda a fortuna que deveria ser dividida entre mim e Juliet. Torella, consequentemente, optou por considerar esse vínculo cancelado e propôs outro, no qual, embora a riqueza que ele concedia tivesse sido incomensuravelmente aumentada, havia tantas restrições ao modo de gastá-la que eu, que via independência apenas na carreira livre que fora dada à minha própria vontade imperiosa, insultei-o por tirar vantagem de minha situação e recusei-me terminantemente a subscrever suas condições.
O ancião, compassivamente, tentou me chamar à razão. O orgulho inflamado tornou-se o tirano de meus pensamentos: ouvi-o com indignação, rechacei-o com desdém.
– Juliet, tu és minha! Não trocamos juras em nossa inocente infância? Não somos um só aos olhos de Deus? E teu pai, de coração frio e sangue frio, nos separará? Sê generosa, meu amor, sê justa; não leves embora uma dádiva, o último tesouro do teu Guido; não desdigas tuas juras; vamos desafiar o mundo, reduzir a nada os problemas do momento e encontrar em nosso afeto mútuo um refúgio para cada aflição.
Um demônio eu devo ter sido com tal sofisma para me empenhar em envenenar aquele santuário de pensamento sagrado e afeiçoado amor. Juliet se retraiu diante de mim, amedrontada. Seu pai era o melhor e mais amável dos homens, e ela se empenhou em me mostrar como, obedecendo a ele, tudo de bom se seguiria. Ele receberia minha relutante submissão com cálido afeto; e generoso perdão se seguiria ao meu arrependimento. Palavras inúteis de uma jovem e meiga filha ditas a um homem acostumado a tornar sua vontade em lei e a sentir no próprio coração um tirano tão terrível e severo que a nada prestaria obediência, a não ser aos próprios desejos imperiosos!
Meu ressentimento cresceu com a resistência dela; meus indômitos companheiros estavam prontos para jogar combustível nas chamas. Imaginamos um plano para sequestrar Juliet. A princípio, pareceu coroado de sucesso.
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