A princípio, pareceu coroado de sucesso. A meio caminho, no nosso retorno, fomos alcançados pelo pai agoniado e seus criados. Um combate se seguiu. Antes de a guarda da cidade chegar para decidir a vitória para nossos antagonistas, dois dos servidores de Torella foram gravemente feridos.
Essa parte de minha história pesa muito mais intensamente em mim. Um homem mudado como sou abomina essa lembrança. Que ninguém que ouça esta história jamais tenha se sentido como eu. Um cavalo levado à fúria por um cavaleiro dotado de esporas farpadas não seria mais escravo do que eu era da violenta tirania do meu temperamento. Um demônio se apossou de minha alma, irritando-a até à loucura. Senti dentro de mim a voz da consciência, mas, se cedi a ela, foi por um breve período, o momento após ser levado embora como por um redemoinho, conduzido ao longo da torrente da ira desesperada, joguete das tempestades geradas pelo orgulho. Fui preso e, por instância de Torella, libertado. Novamente voltei para levar ambos, ele e a filha, para a França; esse país infeliz, na ocasião vítima de flibusteiros e quadrilhas de soldados fora da lei, oferecia grato refúgio a um criminoso como eu. Nossos planos foram descobertos. Fui sentenciado ao desterro; e, visto que minhas dívidas já eram enormes, minha propriedade remanescente foi colocada nas mãos de encarregados do pagamento.
Torella novamente ofereceu sua mediação, exigindo apenas a minha promessa de não renovar minhas malogradas tentativas contra ele e sua filha. Rejeitei sua oferta e imaginei ter triunfado ao ser expulso de Gênova para um solitário e paupérrimo exílio. Meus companheiros haviam sumido: tinham sido expulsos da cidade algumas semanas antes e já se encontravam na França. Eu estava sozinho, sem amigos, sem uma espada a meu lado e sem um ducado no bolso.
Perambulava ao longo da beira-mar, um redemoinho de paixão possuindo e dilacerando minha alma. Era como se uma brasa viva tivesse sido colocada, queimando, em meu peito. Inicialmente, meditei sobre o que deveria fazer. Juntar-me-ia a um bando de flibusteiros. Vingança! A palavra me pareceu um bálsamo: eu a abracei, a acariciei, até que, como uma serpente, me picou. Novamente eu renegaria e desprezaria Gênova, aquele cantinho do mundo. Voltaria a Paris, onde enxameavam muitos de meus amigos; onde meus serviços seriam avidamente aceitos; onde poderia entalhar uma fortuna com minha espada e, talvez, através do sucesso, voltar à minha desprezível cidade natal, e o falso Torella se arrependeria do dia em que expulsaram a mim, um novo Coriolano{1}, de seus muros. Eu voltaria a Paris, então, a pé – um mendigo – e me apresentaria em minha pobreza àqueles a quem outrora eu recebera tão suntuosamente? Havia um amargor só em pensar nisso.
A realidade das coisas começou a se patentear em minha mente, trazendo desespero em seu rastro. Por vários meses eu fora um prisioneiro: os demônios de minha masmorra haviam açoitado minha alma até a loucura, mas tinham subjugado minha forma corpórea. Estava fraco e abatido. Torella usara mil artifícios para me dar conforto; eu detectara e rejeitara todos – e colhi a safra de minha obstinação. O que tinha de ser feito? Deveria eu rastejar diante de meu inimigo e implorar perdão? Seria preferível morrer 10 mil mortes! Eles jamais obteriam essa vitória! Ódio – jurei ódio eterno! Ódio de quem, contra quem? De um desterrado errante contra um poderoso nobre. Eu e meus sentimentos éramos nada para eles: já teriam esquecido alguém tão indigno. E Juliet! Seu rosto angelical e sua forma silfídica{2} reluziam entre as nuvens de meu desespero com inútil beleza; pois eu a havia perdido – a glória e a flor do mundo! Outro a chamará de sua! Aquele sorriso de paraíso abençoará outro!
Mesmo agora meu coração fraqueja dentro de mim quando evoco essa rota de pensamentos de aspecto sombrio. Agora reduzido quase às lágrimas, agora enfurecido em minha agonia, eu ainda perambulava pela margem pedregosa, a qual, a cada passo, tornava-se mais selvagem e mais desolada.
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