– Não sou onipotente como pareço. Possuo algumas coisas que você talvez possa cobiçar, mas daria todas elas por uma pequena parcela, ou mesmo um empréstimo, do que é seu.

– Minhas posses estão a seu dispor – retruquei com amargor. – Minha pobreza, meu exílio, minha desgraça... Eu lhe dou todos eles de presente.

– Ótimo! Eu agradeço. Acrescente mais uma coisa ao seu presente, e meu tesouro é seu.

– Tendo em vista que minha herança é nada, o que mais desejaria desse nada?

– Seu belo rosto e os membros benfeitos.

Arrepiei-me. Iria esse monstro todo-poderoso me matar? Eu não tinha adaga. Esqueci de rezar, mas fiquei lívido.

– Peço um empréstimo, e não um presente – disse a coisa medonha. – Empreste-me seu corpo por três dias. Você ficará com o meu para conter sua alma enquanto isso e, em pagamento, terá o meu baú. O que diz do acordo? Três curtos dias.

Dizem que é perigoso manter uma conversa ilícita; e provarei isso muito bem. Visto por escrito, pode parecer incrível que eu tenha dado ouvidos a essa proposta; mas, a despeito de sua abominável feiura, havia algo fascinante num ser cuja voz era capaz de governar terra, ar e mar. Senti um forte desejo de ceder, pois, com aquele baú, eu poderia comandar o mundo. Minha única hesitação resultava do temor de que ele não estaria sendo verdadeiro em seu acordo. Então, pensei: “Em breve morrerei aqui nestas areias solitárias, e os membros que ele cobiça já não serão meus. Vale a pena arriscar”. E, além do mais, eu sabia que, pelas regras da arte da magia, havia fórmulas e juramentos que nenhum de seus praticantes ousaria quebrar. Hesitei em responder, e ele prosseguiu, num momento exibindo sua fortuna, em outro falando do baixo preço que exigia em troca, até parecer loucura recusar. É assim: coloque seu barco na corrente do riacho, e ele descerá e cairá da cachoeira para onde correu; se desistirmos de guiar a forte correnteza da paixão, nos distanciaremos, sem saber para onde.

Ele jurou mil vezes, e eu o esconjurei com muitos nomes sagrados, até que vi aquela maravilha de poder, aquele senhor dos elementos tremer como uma folha de outono diante de minhas palavras; e, como se o espírito falasse a contragosto e forçosamente dentro dele, finalmente, prostrado, com a voz falhada, revelou o feitiço com o qual seria obrigado, caso desejasse trapacear comigo, a devolver o espólio ilegítimo. Nosso quente sangue vital precisava ser misturado para fazer e desfazer o encanto.

Basta desse tema profano. Fui persuadido, a coisa foi feita. A manhã seguinte alvoreceu sobre mim enquanto me encontrava caído sobre o cascalho, e não reconheci minha própria sombra, que se projetava de mim. Senti-me mudado para uma forma de horror e amaldiçoei minha crença fácil e minha cega credulidade. O baú estava ali. Havia ouro e pedras preciosas pelos quais eu vendera a carcaça de carne que a natureza me dera. A visão aliviou um pouco minhas emoções: três dias logo passariam.

E passaram. O anão me abastecera com um farto suprimento de comida. A princípio, eu mal conseguia andar, tão estranhos e desconjuntados estavam todos os meus membros; e minha voz era de um espírito maligno. Mas me mantinha calado, voltava o rosto para o Sol, pois assim talvez não visse minha sombra, e contava as horas e ruminava planos. Colocaria Torella a meus pés e possuiria minha Juliet, a despeito dele. Tudo isso minha fortuna poderia facilmente conseguir.