Tal era a generosa bondade do coração de Torella que eu tinha certeza de que ele não estaria se permitindo manifestações públicas de contentamento, justamente após meu infeliz desterro, mas que o fazia por um motivo que eu desconhecia.
O pessoal do campo estava todo contente e acorrendo aos bandos; tornou-se necessário que eu pensasse em me esconder; e no entanto desejava me dirigir a um deles, ou ouvir outros conversar, ou, de qualquer modo, saber o que estava de fato acontecendo. Finalmente, penetrando nas alamedas que ficavam na vizinhança imediata da mansão, encontrei uma bastante escura para ocultar minha excessiva hediondez; assim como eu, havia outros demorando-se em suas sombras.
Em pouco tempo, descobri tudo o que queria saber – tudo o que primeiro fez meu coração parar horrorizado e depois ferver de indignação. Amanhã, Juliet seria entregue ao arrependido, recuperado, amado Guido. Amanhã, minha noiva se casaria com um demônio do inferno! E isso se deve a mim! Meu maldito orgulho, minha demoníaca violência e perversa autoidolatria haviam causado aquela tragédia.
Tivesse eu agido como o infeliz que roubara o meu corpo, tivesse eu, com um semblante ao mesmo tempo submisso e digno, me apresentado a Torella, dizendo: errei, perdoe-me, sou indigno de sua criança-anjo, mas me permita reivindicá-la daqui por diante, quando minha conduta modificada mostrará que renunciei a meus vícios e me esforçarei para ser, de algum modo, digno dela. Lutarei contra os infiéis e, quando meu fervor pela religião e minha verdadeira penitência pelo passado aparecerem, para que você perdoe meus crimes, permita-me novamente chamar a mim mesmo de seu filho. Assim tinha ele falado, e o penitente fora bem recebido; assim como para o filho pródigo das Escrituras, o bezerro engordado fora abatido para ele; e ele, ainda seguindo o mesmo caminho, mostrou um arrependimento tão sincero de seus desatinos, uma concessão tão humilde de todos os seus direitos e uma resolução tão ardente de readquiri-los com uma vida de contrição e virtude que rapidamente conquistou o bondoso velho; e o pleno perdão, e a entrega de sua adorável criança seguiram-se numa rápida sucessão.
Oh! Tivesse um anjo do paraíso me sussurrado que agisse assim! Mas agora o que seria da sorte da inocente Juliet? Permitiria Deus a infame união que a destruiria, ligando o desonrado nome de Carega ao pior dos crimes? Amanhã, na alvorada, eles iam se casar. Só havia um meio de evitar isso: enfrentar o meu inimigo e obrigá-lo à ratificação de nosso acordo. Eu sentia que isso só poderia ser feito com uma luta mortal.
Eu não possuía espada – isso se, por acaso, meus braços tortos conseguissem manejar a arma de um soldado –, mas tinha uma adaga, e nela repousava toda a minha esperança. Não havia tempo para ponderar sobre a questão ou avaliá-la satisfatoriamente. Eu poderia morrer na tentativa, mas, além do ciúme abrasador e do desespero do meu próprio coração, a honra, a simples humanidade, exigiam que eu tombasse se não destruísse as maquinações do demônio.
Os convidados partiram. As luzes começaram a se apagar; era evidente que os habitantes da villa buscavam o repouso. Escondi-me entre as árvores. O jardim estava deserto, os portões, fechados. Vagueei por ali e fui parar debaixo de uma janela. Ah! Eu bem que a conhecia! Um suave crepúsculo bruxuleava no quarto. As cortinas estavam semiabertas. Era o templo da inocência e da beleza. O esplendor do quarto era temperado, por assim dizer, pelas leves desarrumações ocasionadas pelo ser que o habitava, e todos os objetos espalhados em volta exibiam o gosto daquela que o consagrava com sua presença. Eu a vi entrar com passinhos rápidos e se aproximar da janela. Abriu a cortina ainda mais e procurou com os olhos dentro da noite. A brisa fresca brincava entre suas madeixas e as afastava do mármore transparente de seu cenho. Ela apertou as mãos, ergueu os olhos para o céu. Ouvi sua voz. “Guido!”, murmurou suavemente, “meu Guido!”, e então, como se dominada pela plenitude de seu próprio coração, caiu de joelhos. Os olhos estavam erguidos, a atitude, negligente mas graciosa, e o reluzente agradecimento iluminava seu rosto. Oh, essas são palavras brandas! Coração meu, tu sempre podes imaginar, embora não consigas retratar, a beleza celestial daquela filha da luz e do amor.
Ouvi passadas, rápidas e firmes passadas, ao longo da via sombreada. Então vi um cavalheiro, ricamente vestido, jovem e belo, avançar. Escondi-me, mas me mantive perto. O jovem se aproximou e parou debaixo da janela. Juliet levantou-se e, novamente olhando para fora, ela o viu e disse...
Oh! Não consigo, a essa distância de tempo não consigo recordar os termos de suave e eloquente ternura de Juliet; para mim eles foram falados, mas foram respondidos por ele.
– Eu não irei – bradou ele.
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