Você espera que eu me associe ao logro.

PREFEITO — Logro?

STOCKMAN — Infelizmente é mais que isso, é um crime.

PREFEITO — Não me convenço do perigo!!!

STOCKMAN — Impossível que você não esteja convencido, meu relatório é claro e as provas concludentes. Você está convencido mas não quer entrar no negócio. Ê por tua causa que os edifícios e os canos estão onde estão, e você não pode assumir o erro.

PREFEITO — E mesmo que assim fosse? Se eu me preocupo, confesso, com a minha reputação, é no interesse da comunidade! Sem autoridade moral, não posso impor aos negócios públicos a direção mais proveitosa, e todos perdem com isso! Eis porque entre muitos outros motivos, não quero que teu relatório seja apresentado à direção. Proíbo e me dou o direito de proibir, em nome do interesse público. Sou o prefeito desta cidade, a autoridade máxima, tenho, portanto, por dever, a defesa do povo e compreenda que nesta medida, que chego até essa desagradável proibição! Ainda não há nenhum documento assinado, nada oficial, o assunto pode morrer aqui! É do interesse público que morra. E a partir disso vamos ver o que podemos fazer. Sem alardes, sem propaganda, em silêncio. Nada do que dissemos, absolutamente nada desta maldita questão deve sair de dentro desta sala!

STOCKMAN (indo embora) — Isso não é mais possível, já há gente informada.

PREFEITO — Quem? Você contou pra quem? Espero que não seja aquela gentinha do “Mensageiro do Povo”.

STOCKMAN — Eles também já sabem. Estavam jantando ontem em casa, você viu.

PREFEITO — Tomas, e você contou a eles sobre as águas, cometeu essa leviandade?

STOCKMAN — Por favor, me largue, eu não me arrependo.

PREFEITO — Louco! Estamos em vésperas de eleições. As consequências serão graves, para ti e para os teus.

STOCKMAN — Que é isso? Uma ameaça?

PREFEITO — E se for? Eu sou o teu chefe! Você deve a mim o cargo que tem hoje no estabelecimento!

STOCKMAN — Tudo me indicava para o cargo! Fui eu que, antes de todos vislumbrei os poderes curativos das nossas águas, todos sabem disso...

PREFEITO — Chega de meias palavras! Senta. Senta de novo, senta.

STOCKMAN — Se é para nos entendermos, com prazer.

PREFEITO — É para isso. Se você foi suficientemente indiscreto para compartilhar com outras pessoas um assunto da diretoria, será impossível, é claro, abafar a questão, conforme seria a melhor solução. Agora, eis o que a Prefeitura espera de ti. Tens de pedir outros exames, outros. Os novos exames provarão que, embora o problema exista, não é tão grave quanto parecia. Então prestará uma declaração pública, que, o governo desta cidade saberá resolver tudo, justa e conscienciosamente. Estamos entendidos.

STOCKMAN — Não se pode matar micróbios com política.

PREFEITO — Como funcionário do estabelecimento não tens direito a essa opinião.

STOCKMAN — Vai ser difícil explicar isso aos que morrerem por causa das águas.

PREFEITO — A questão não é médica, é econômica. Teremos de tomar os cuidados, eu sei, sou um político.

Mas como político, tenho de defender a maioria e não o caso particular, os fins justificam os meios. Tua ati°3

tude é individualista e alienada, e desse modo terei de pedir que redijas tua carta de demissão. Não é possível ter dentro do serviço público um homem que ataca as próprias fontes onde o povo vai buscar sua subsistência.

STOCKMAN — Mas desgraçado, escuta. As fontes estão envenenadas! Causam doenças em quem as bebe. O comércio, do qual vivemos é um comércio de imundícies, nossa vida social, embora florescente, repousa sobre uma mentira... o povo...

PREFEITO — Não ouse pronunciar tal palavra. Um homem que emite tão odiosas insinuações sobre a sua própria cidade, não preza seus concidadãos. É um inimigo do Povo!

STOCKMAN — Eu me envergonho de ti, meu irmão! (Sai.)

CENA 3 | Casa do Dr. Tomas Stockman

STOCKMAN — É tudo minha culpa! Eu já devia ter posto Peter no lugar há muito tempo! Inimigo do povo, inimigo do povo, eu!

PETRA — Nunca pensei que o tio fosse capaz!

CATARINA — Calma vocês dois! É ele quem está no poder...

PETRA — É um procedimento revoltante para com um homem como o pai!

CATARINA — Cala a boca! É ele quem está no poder, é ele quem manda! Meu bom Tomas...

STOCKMAN — Qual poder, minha boa Catarina? A imprensa está comigo, a maioria compacta dos cidadãos comigo, quem tem o poder sou eu!

PETRA — Bravos, pai!

STOCKMAN — Ou não entendo mais nada!

CATARINA — Santo Deus! Tomas Stockman, você não está pensando em...

STOCKMAN — Em que... em quê?

CATARINA — ...enfrentar teu irmão?

STOCKMAN — Você vai ver como tudo isso vai acabar...

CATARINA — Vai acabar na tua demissão, só, é onde vai acabar.

STOCKMAN — Que seja, terei cumprido meu dever com o povo.

CATARINA — Não é só com o povo teu dever. É conosco também! Comigo, com tua filha...

STOCKMAN — Mais duas razões para enfrentar Peter, e aquela sinistra Prefeitura. Admitindo que eu fosse um covarde total, capaz de rastejar diante do primeiro berro do poder, com que cara eu olharia depois, ao me levantar, para vocês duas!?

CATARINA — É injustiça, eu sei, meu amor... mas não são poucas as injustiças que temos de enfrentar nesse vale de lágrimas.