Assim é que é. Quando você vai aprender isso? Peter é teu irmão, mas é rancoroso, não perdoará. Nós já vivemos muito tempo sem tostão para o dia seguinte, eu não esqueci. Já passamos fome, eu não esqueci. Não posso permitir que isso aconteça de novo aos meus...

PETRA — Você só pensa em dinheiro, mãe? Na segurança? Em mais nada?

CATARINA — Cala a boca, menina, eu já mandei!!! Você não sabe nada da vida, ele tem obrigações...

STOCKMAN — Catarina, meu anjo. Te peço um favor, cala a boca. Ouvir o poderoso prefeito dizer essas coisas, eu me torço e aguento. Ouvir você é demais... Prepara um café para mim, vai, aquele dos teus.

CENA 4 | Na rua: Petra e Hovstad

HOVSTAD — Senhorita Petra. Petra!

PETRA — Hovstad! Você estava me esperando? Pois eu ia mesmo passar no “Mensageiro...

HOVSTAD — A redação está um caos, por causa do relatório do senhor seu pai. Nunca vi nada excitar tanto o Alacksen e o Biling...

PETRA — É que eu queria lhe devolver aquela novela inglesa...

HOVSTAD — Devolver?

PETRA — Sim... não tenho vontade de traduzi-la.

HOVSTAD — Ora! Mas por quê? A senhorita havia prometido...

PETRA — Sim, eu disse que ia traduzir antes mesmo de ler, mas agora... bem, eu suponho que o senhor também não chegou a ler?

HOVSTAD — Passei os olhos. Como sabe, não entendo perfeitamente o inglês...

PETRA — Então me permita um conselho. (Devolvendo o livro.) Escolha outra novela. Isso aqui não serve para o “Mensageiro".

HOVSTAD (achando graça) — E por que. posso saber...?

PETRA — As ideias do livro não coincidem com aquelas que o “Mensageiro” defende.

HOVSTAD — Sim, mas até aí...

PETRA — Tenho certeza que o senhor não está compreendendo. Trata-se de uma estória extremamente to1a, na qual os bons são bons, os maus são maus, havendo por cima de tudo um poder sobrenatural que concilia as situações, naturalmente recompensando os bons e castigando os maus... bem, nós sabemos que as coisas não são tão simples assim.

Hovstad (encantado) — Bravo! Bravo! A senhorita formula com tanta ênfase... Mas o povo gosta deste tipo de leitura, este é o tipo de alimento que eles saboreiam...

PETRA — E ao senhor compete servi-los?

HOVSTAD (depois de um instante)

— Tem toda a razão, senhorita. (Resolvendo falar mais sério.) Porém prefiro ter uma posição mais objetiva, digamos assim, talvez por militar na prática da imprensa. Um redator de jornal nem sempre pode fazer o que deseja... Muitas vezes é preciso curvar-se diante dos gostos populares. Nas coisas de menor importância, claro. A política é o que há de mais importante no mundo, pelo menos para um jornal. Mas se queremos ter leitores, não podemos assustá-los. Se no andar térreo, eles encontram um belo conto moral desta natureza... então mais facilmente subirão ao primeiro andar, pode entender... ?

PETRA — Não posso acreditar que o senhor pense assim. Não iria armar tais armadilhas para seus leitores, um jornalista não é uma aranha à espreita da presa.

Hovstad (tocado) — Novamente bem formulado...