Tenho planejados mais quatro ou cinco artigos.

ALACKSEN — Todos sobre o assunto das águas?

STOCKMAN — Assuntos diversos. Porém, todos concernentes ao mau funcionamento da Prefeitura.

BILING — Trocando a medicina pela política, doutor?

STOCKMAN — Em absoluto. Porém cumprindo conscientemente meus deveres de cidadão. Os senhores não imaginam, não podem imaginar, senhores, a reação do Prefeito, meu próprio irmão, à questão das águas...

HOVSTAD — Ah, sim...

ALACKSEN (temeroso) — O senhor já esteve com ele? E ele...?

STOCKMAN — ... tentou convencer-me que a situação deveria ser tratada através de paliativos burocráticos! Ameaçou-me de tudo, tentou obrigar-me a escrever um desmentido de meu próprio relatório. Enfim... não apenas desafiou-me como provou que, apesar de meu irmão, não tem capacidade, nem mesmo integridade moral, para dirigir os interesses de uma cidade como a nossa! Desculpem a sinceridade, senhores, estou muito aborrecido com tudo isso! Evidentemente estou falando entre amigos, nada do que disse é para publicar, pelo menos nesses termos...

Alacksen (apavorado) — Porém, Doutor Stockman, não seria talvez melhor se, queria dizer, o...

STOCKMAN — Se ele quer guerra, Alacksen, guerra ele terá! Pelo menos assim fica em paz minha consciência, na certeza de estar fazendo tudo que posso fazer pela nossa brava gente. Molendal precisa de homens de ação no governo, homens de verdade, e não politicozinhos atrás das mesas.

HOVSTAD — Bravos, doutor: (Batendo palmas.) O senhor é o que se pode chamar de um amigo do povo!

STOCKMAN — Por favor, Hovstad! Estou revoltadíssimo com a atitude de Peter, sentido mesmo... Bem, vou indo. Preciso visitar um pobre coitado com crise renal, e rim dói! Vim ver como vai indo a impressão e volto numa meia hora. Até a vista, amigos. Obrigado. Até a vista. (Stockman sai.)

HOVSTAD (pensativo) — Este homem vai nos prestar grandes serviços.

ALACKSEN — Mas que se limite ao assunto das águas!!! Onde já se viu, que imprudência! Como se não bastasse o assunto das águas... Se quiser ir além das águas não será prudente segui-lo!

HOVSTAD — E as escolas da cidade? As indústrias? A polícia? O preço dos gêneros alimentícios? O senhor acha que tudo isto corre a contento? Às mil maravilhas?

ALACKSEN — Não sei! No momento não sei e não quero saber. Sr. Hovstad. Quando um homem possui bens a preservar, ele não pode pensar em tudo! Meu coração, Deus sabe que está sempre com o povo... porém não nego que meu raciocínio tende normalmente para o lado do governo, e se assim não fosse... (Batidas na porta. Entra o Prefeito de bengala, boné e capa.)

PREFEITO — Posso entrar? Não esperava ver-me ufii dia por aqui, não é mesmo, Sr. Hovstad? Agradável aqui. Vocês estão melhor instalados do que eu imaginava.

ALACKSEN — Mas... sente-se, Sr. Prefeito, sente-se...

PREFEITO (tirando a capa e o boné) — Irei direto ao assunto. (Senta.) Meu irmão apresentou-me um relatório absurdo sobre pretensos defeitos nos encanamentos das águas.

HOVSTAD — Ah, sim?

PREFEITO — Disse-me também que os senhores possuem uma cópia do relatório e que pretendem publicá-lo, no jornal de amanhã.

ALACKSEN — Bem, realmente... o doutor pediu que publicássemos... algo... confesso que ainda não li direito, eu...

PREFEITO — Mas vai publicar mesmo sem ter lido direito!

HOVSTAD — Não negamos nada a um homem como seu irmão, Sr. Prefeito.

PREFEITO — Senhores...