Rua do Cano, nem de graça! Seguros estão em completa oscilação.

TEIXEIRA - O Sr. pode demorar-se cinco minutos?

AUGUSTO - Como? Mais que o Sr. queira; apesar de que são quase dez horas, e às onze devo fechar uma transação importante. Mas temos tempo...

TEIXEIRA - Pois então faça favor; passemos ao meu gabinete; quero incumbir-lhe de uns dois negócios que podem ser lucrativos.

AUGUSTO - Vamos a isso! [cumprimentando] Minha Sra.! Meus Srs.! [A TEIXEIRA, dirigindo-se ao gabinete] É sobre estradas de ferro? [Saem, ERNESTO aproxima-se de JÚLIA].

CENA VIII

ERNESTO, CUSTÓDIO, JÚLIA

CUSTÓDIO - Estrada de ferro! Outra mania! No meu tempo viajava-se perfeitamente daqui para Minas, e as estradas eram de terra. Agora querem de ferro! Naturalmente para estragar os cascos dos animais.

ERNESTO - Tem razão, Sr. Custódio, tem toda a razão!

JÚLIA (a meia voz) - Vá, vá excitá-lo, depois não se queixe, quando armar uma das suas questões intermináveis.

ERNESTO - É verdade! Mas fiquei tão contente, quando meu tio saiu, que não me lembrei que estávamos sós. [Senta-se]. Diga-me uma coisa, prima; que profissão tem este Sr. Augusto?

JÚLIA - É um zangão!

ERNESTO - Estou na mesma. Que emprego é esse?

JÚLIA [sorrindo] - Eu lhe explico. Quando passeávamos pelo jardim, não se lembra que às vezes parávamos diante dos cortiços de vidro que meu pai mandou preparar, e escondidos entre as folhas levávamos horas e horas a ver as abelhas fabricarem os seus favos?

ERNESTO - Lembro-me; e por sinal que uma tarde uma abelha fez para mim um favo de mel mais doce do que o seu mel de flores. Tomou a sua face por uma rosa, quis mordê-la; a Sra. fugiu com o rosto, mas eu que nunca volto a cara ao perigo, não fugi... com os lábios.

JÚLIA (confusa) - Está bom, primo! Ninguém perguntou-lhe por esta história! Se quer que lhe acabe de contar, cale a boca.

ERNESTO - Estou mudo como um governista. Vamos ao zangão!

JÚLIA - Enquanto estávamos embebidos a olhar aquele trabalho delicado, víamos um besouro parecido com uma abelha, que entrava disfarçado no cortiço; e em vez de trabalhar, chupava o mel já fabricado. Não via?

ERNESTO - O que eu me recordo ter visto perfeitamente eram dois olhozinhos travessos...

JÚLIA (batendo o pé) - Via sim; eu lhe mostrei muitas vezes.

ERNESTO - Está bom! Já, que deseja, confesso que via; via com seus olhos!

JÚLIA - Pois suponha que a Praça do Comércio é uma colmeia: e que o dinheiro é um favo de mel. Este sujeito que saiu daqui é o besouro disfarçado, o zangão. Os corretores arranjam as transações, dispõem os negócios; vem o zangão e atravessa os lucros.

ERNESTO - Compreendo agora o que é o zangão; é uma excelente profissão para quem não tem nada que fazer, e demais bastante útil para a sociedade.

JÚLIA - Útil em quê?

ERNESTO - Oh! Se não fosse ele, ficaríamos sós? Se não fosse ele, meu tio estaria ainda aqui, querendo por força provar-me que a desgraça dos fluminenses provém de não haver mais trovoadas! Querendo convencer-me que as maravilhas do Rio de Janeiro são a laranja seleta, o badejete, a farinha de Suruí e a água da Carioca! Sim! É uma profissão muito útil! Aconselharei a todos os meus amigos que desejarem seguir o comércio, se façam zangãos da praça!...

JÚLIA - Então é nisso que está a grande utilidade...

ERNESTO - Mas seriamente, prima; essa profissão fácil e lucrativa é uma carreira aberta à mocidade, que pretenda seguir a vida comercial.

CUSTÓDIO - Vou até a cidade! Já passaria o ônibus das dez?

JÚLIA - Não sei, Sr. Custódio; mas o senhor não almoça conosco?

CUSTÓDIO [erguendo-se] - Almoçar a esta hora! Obrigado!. Sr. Ernesto, boa viagem!

ERNESTO [apertando-lhe a mão] - Adeus, Sr. Custódio.

CUSTÓDIO - Dê-nos notícias suas. Sem mais. . . D. Júlia! [Sai].

CENA IX

ERNESTO, JÚLIA

[ERNESTO vem sentar-se na conversadeira junto da JÚLIA; ambos estão confusos].

JÚLIA [erguendo a cabeça] - Então, meu primo, ainda não me disse se leva saudades do Rio de Janeiro?

ERNESTO - É preciso que lhe diga, Júlia!

JÚLIA - Naturalmente não sente deixar a corte; não achou aqui atrativos que o prendessem; viu uma grande cidade, é verdade; muita gente, muita casa, muita lama.

ERNESTO - Sim, mas no meio desse vasto montão de edifícios, encontra-se aqui e ali um oásis magnífico, onde a vida é um sonho, um idílio; onde nada falta para a comodidade da existência e o gozo do espírito; onde apenas se forma um desejo, ele é logo satisfeito. Vi alguns desses paraísos terrestres, minha prima, e vivi três meses em um deles, aqui nas Laranjeiras, nesta casa...

JÚLIA - Não exagere, não é tanto assim; há algumas casas bonitas, com efeito, mas a cidade em si é insuportável; não se pode andar pelas ruas sem ver-se incomodado a cada momento pelas carroças, pelos empurrões dos que passam.

ERNESTO - Que tem isso? Essa mesma confusão tira a monotonia do passeio. Demais, quando se anda pela Rua do Ouvidor, como andamos tantas vezes, todos esses contratempos são prazeres. O susto de um carro faz com que a moça que nos dá o braço se recline sobre nós; um sujeito que impede a passagem dá um pretexto para que se pare e se torne o passeio mais longo.

JÚLIA - Ao menos não negará uma coisa; e é que temos uma verdadeira praga aqui no Rio de Janeiro.

ERNESTO - Qual, prima?... Não sei.

JÚLIA - Os benefícios.

ERNESTO - Não diga isso, Júlia.