Que coisa mais bela, do que as pessoas que vivem na abastança protegerem divertindo-se aqueles que necessitam e são pobres! O prazer eleva-se à nobreza da virtude; o dinheiro que o rico esperdiça para satisfazer os seus caprichos, transforma-se em oferta generosa, mas nobremente disfarçada, que anima o talento do artista e alivia o sofrimento do enfermo; a caridade evangélica torna-se uma instituição social. Não; não tem razão, prima! Esses benefícios, que a Sra. censura, formam um dos mais belos títulos do Rio de Janeiro, o título de cidade generosa e hospitaleira.

JÚLIA - Não sei por que, meu primo, o Sr. vê tudo, agora, de bons olhos. Por mim, confesso-lhe que, apesar de ser filha daqui, não acho na corte nada que me agrade. O meu sonho é viver no campo; a corte não tem seduções que me prendam.

ERNESTO Ora, Júlia, pois realmente não há no Rio de Janeiro nada que lhe agrade?

JÚLIA - Nada absolutamente. Os passeios nos arrabaldes são um banho de poeira; os bailes, uma estufa; os teatros, uma sensaboril.

ERNESTO - Como se diz isto, meu Deus! Pode haver coisa mais linda do que um passeio ao Corcovado, donde se vê toda esta cidade, que merece bem o nome que lhe deram de princesa do vale? Pode haver nada de mais encantador do que um baile no Clube? Que noites divertidas não se passa no Teatro Lírico, e mesmo no Ginásio, onde fomos tantas vezes?

JÚLIA - Fui por comprazer, e não por gostar. Acho tudo isto tão insípido! Mesmo as moças do Rio de Janeiro...

ERNESTO - Que têm?

JÚLIA - Não são moças. São umas bonecas de papelão, uma armação de arames.

ERNESTO - Mas é a moda, Júlia. Que remédio têm elas senão usar? Hão de fazer-se esquisitas? Demais, prima, quer que lhe diga uma coisa? Essas saias balões, cheias de vento, têm uma grande virtude.

JÚLIA - Qual é?

ERNESTO - Fazer com que um homem acredite mais na realidade e não se deixe levar tanto pelas aparências.

JÚLIA - Não o entendo; é charada.

ERNESTO - Ora! Está tão claro! Quando se dá a um pobre um vintém de esmola, ele recebe e agradece; mas, se lhe derem uma moeda que pareça ouro, desconfiará. Pois o mesmo me sucede com a moda. Quando vejo uma crinolina, digo com os meus botões - “é mulher ou pode ser”. Quando vejo um balão, não tem dúvida. - “é saia, e saia unicamente!”

JÚLIA [rindo] - Pelo que vejo, não há nada no Rio de Janeiro, ainda mesmo o que é ruim, que não tenha um encanto, uma utilidade para o senhor, meu primo? Na sua opinião é uma terra excelente.

ERNESTO - Diga um paraíso, um céu na terra! (JÚLIA dá uma gargalhada.) De que ri-se, Júlia?

JÚLIA [rindo-se] - Muito bem! Eis onde eu queria chegar. Há três meses, no primeiro dia em que veio morar conosco, tivemos uma conversa perfeitamente igual a esta; com a diferença que então os papéis estavam trocados; o senhor achava que o Rio de Janeiro era um inferno.

ERNESTO - Não me fale desse tempo! Não me lembro dele! Estava cego!

JÚLIA - Bem; o que eu desejava era vingar a minha terra. Estou satisfeita: esqueço tudo o que houve entre nós.

ERNESTO - Como! Que diz, Júlia? Não, é impossível! Esses três meses que se passaram, esses três meses de felicidade, foi apenas uma vingança de sua parte?

JÚLIA - Apenas.

ERNESTO (despeitado) - Oh! Obrigado, prima.

JÚLIA - Não tem de que, meu primo; jogamos as mesmas armas; o senhor ganhou a primeira partida, eu tomei a minha desforra.

ERNESTO - Eu ganhei a primeira partida! De que maneira? Acreditando na senhora.

JÚLIA - Fazendo que eu chegasse a aborrecer o meu belo Rio de Janeiro, tão cheio de encantos; que achasse feio tudo quanto me agradava; que desprezasse os meus teatros, as minhas modas, os meus enfeites, tudo para.

ERNESTO - Para... Diga, diga, Júlia!

JÚLIA - Tudo para satisfazer um capricho do senhor; tudo por sua causa! (Foge.)

ERNESTO - Ah! perdão... A vingança foi doce ainda; mas agora vou sofrer uma mais cruel. Oito meses de saudade e ausência!

JÚLIA - Para quem tem uma memória tão fraca. .. Adeus! [Vai sair] Adeus!

ERNESTO - Ainda uma acusação.

JÚLIA - E se fosse um receio! (Sai de repente.)

ERNESTO (seguindo-a) - Júlia! Escute, prima! [Sai].

CENA X

AUGUSTO, D. LUÍSA

AUGUSTO (na porta, a TEIXEIRA) - Sim, senhor; pode contar que hoje mesmo fica o negócio concluído! Vou hoje à praça. Quinze e quinhentos, o último. [Dirige-se à porta e encontra-se com D. LUÍSA que entra].

D. LUÍSA - O senhor faz obséquio de ver este papel?

AUGUSTO - Ações?... De que companhia? Estrada de ferro? Quantas? A como? Hoje baixaram. [Abre o papel].

D. LUÍSA - Qualquer coisa me serve! Pouco mesmo! Oito filhinhos...

AUGUSTO - Uma subscrição!... [Entregando] Não tem cotação na praça.

D. LUÍSA - Uma pobre viúva...

AUGUSTO - É firma que não se desconta.