É para fazer o enterro do meu pobre marido que expirou esta noite e deixou-me ao desamparo com oito filhinhos...
ERNESTO - Pobre mulher! Para esta não há um benefício! Mas diga-me, seu marido nada possuía? A Sra. não tem parentes?
D. LUÍSA - Nem um; não tenho ninguém de quem me valer. Acredite, Sr., que para chegar a este estado de recorrer à piedade dos que não me conhecem, foi preciso ver meus pobres filhinhos nus, e chorando de fome, os coitadinhos.
BRAGA (dentro do balcão) - Temos choradeira!
ERNESTO - Corta o coração, não acha? Torne, minha Sra.; sinto não poder dar mais; porém não sou rico. (Dá uma nota.)
D. LUÍSA [Examinando a nota] - Cinco mil-réis!... [Olha ERNESTO com ar de zombaria e sai].
ERNESTO - E esta! Nem sequer um obrigado; julga que não lhe fiz favor?
BRAGA - Ora o Sr. ainda deixa-se lograr por esta gente?
ERNESTO - E o Sr. não viu? Por que não me avisou?
BRAGA - Não gosto de me intrometer nos negócios dos outros.
ERNESTO - Boa moral!... Oh! mas esta não aturo.
(Vai sair correndo e encontra-se com TEIXEIRA, JÚLIA e D. MARIANA que entram.)
CENA XII
ERNESTO, TEIXEIRA, JÚLIA, D. MARIANA, BRAGA
ERNESTO - Ah!...
JÚLIA - Ernesto!
TEIXEIRA - Bom dia, sobrinho.
ERNESTO - Adeus, meu tio. D. Mariana... Como está, prima?
JÚLIA - Boa, obrigada.
ERNESTO - Anda passeando?
JÚLIA - Não; vim fazer algumas compras.
TEIXEIRA - Júlia, enquanto ficas vendo as fazendas com D. Mariana, vou à Praça e já volto.
JÚLIA - Sim, papai; mas não se demore.
TEIXEIRA - um instante! (Sai.)
BRAGA (fora do balcão) - O que deseja V.Ex.a?
JÚLIA - Alguns cortes de musselina e barege.
BRAGA - Temos lindíssimos, do melhor gosto, chegados no paquete, da última moda; hão de agradar a V. Ex.a; é fazenda superior.
JÚLIA - Pois deite-os lá dentro que já vou escolher.
BRAGA - Sim, Sra.; V.Ex.a há de ficar satisfeita. (Sobe a cena com D. MARIANA).
ERNESTO - Como, prima! A Sra. já tem excelência?
JÚLIA (sorrindo) - Aqui na corte todo o mundo tem, Ernesto. Não custa dinheiro.
ERNESTO - Entendo! Entendo! Mais esta singularidade para as minhas notas.
BRAGA (dentro do balcão à D. MARIANA) - Sim, minha Sra.; tenha a bondade de esperar um momento; já venho mostrar-lhe fazenda que há de agradar-lhe.
(JÚLIA senta-se.)
CENA XIII
ERNESTO, JÚLIA, D. MARIANA, depois BRAGA
JÚLIA - Diga-me, Ernesto, como tem achado o Rio de Janeiro?
ERNESTO - Quer que lhe confesse a verdade, Júlia?
JÚLIA - Decerto, primo; não há necessidade de encobrir. Já sei que não gostou?
ERNESTO - Ah! Se fosse só isso! [D. MARIANA desce.]
JÚLIA - O que é mais então?
ERNESTO - Sinto declarar; mas o seu Rio de Janeiro é um verdadeiro inferno!
D. MARIANA - Com efeito, Sr. Ernesto!
JÚLIA - Não diga isto, primo.
ERNESTO - Digo e repito; um verdadeiro inferno.
JÚLIA - Mas por quê?
ERNESTO - Eu lhe conto. Logo que cheguei, não vi, como já lhe disse, no aspecto geral da cidade, nada que me impressionasse. Muita casa, muita gente, muita lama; eis o que há de notável. Porém isto não é nada; de perto é mil vezes pior.
JÚLIA - E depois? Quando passeou?
ERNESTO - Quando passeei? Por ventura passeia-se no Rio de Janeiro? O que chama a senhora passear? É andar um homem saltando na lama, como um passarinho, atropelado por uma infinidade de carros, e acotovelado por todo o mundo? É não ter um momento de sossego, e estar obrigado a resguardar os pés de uma carroça, o chapéu de um guarda-chuva, a camisa dos respingos de lama, e o ombro dos empurrões? Se é isto que a senhora chama passear, então sim, admite que se passeie no Rio de Janeiro; mas é preciso confessar que não são muito agradáveis esses passeios.
JÚLIA - Já vejo que o primo não gosta da sociedade; é mais amigo da solidão.
D. MARIANA (no balcão vendo fazendas) - Pois em um moço admira.
ERNESTO - Perdão, Júlia; gosto da sociedade; com ser estudante de São Paulo, não desejo passar por um roceiro.
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