Mas quero estar na sociedade à minha vontade e não à vontade dos outros; quero divertir-me, olhar, observar; e não ser obrigado a responder a um sujeito que me pede fogo, a outro que me pergunta o que há de novo, e a outro que deseja saber quantas horas são.
JÚLIA - E a Rua do Ouvidor? Que me diz? Não achou bonita? À noite sobretudo?
ERNESTO - Oh! não me fale na tal Rua do Ouvidor! Se o Rio de Janeiro é o inferno, a Rua do Ouvidor é o purgatório de um pobre estudante de São Paulo que vem passar as férias na corte.
JÚLIA - Não o compreendo, primo; e inteiramente o contrario do que me dizem todos.
D. MARIANA (sempre no balcão) - Decerto; não há quem não fique encantado!
ERNESTO - Pode ser, D. Mariana, não contesto; os gostos são diferentes, mas eu lhe digo os encantos que achei na Rua do Ouvidor. Apenas dei o primeiro passo, saltou-me um sujeito gritando a goelas despregadas “Fósforos! Fósforos inalteráveis e superiores! A vintém!” Para me ver livre do tal menino tive que trocar uma nota e comprar um embrulho de caixas de fósforos.
JÚLIA (rindo) - Mas para que comprou?
D. MARIANA - Não tinha necessidade...
ERNESTO - Queriam que andasse com aquele pajem de nova espécie a aturdir-me os ouvidos?... Porém não fica nisto; apenas vejo-me livre de um, eis-me com outro: “Vigésimos, quartos, bilhetes, meios e inteiros! Sorte grande!” Lá se foram dez mil-réis.
JÚLIA - Ainda? Foi também para se ver livre?
ERNESTO - E porque estavam muitas pessoas que olhavam para mim, e não queria que me tornassem por um pobretão.
JÚLIA - Que idéia! Todos eles estão acostumados a isso, e não fazem caso.
ERNESTO - Ainda não acabei. Daí a pouco um benefício do ator tal, uma subscrição para isto, um cartão de baile das sociedades de beneficência de todas as nações do mundo. Enfim encontro um amigo que não me via há três anos, e o primeiro cumprimento que me dirigiu foi empurrar-me este bilhete e ainda em cima um volume de poesias que já paguei, mas que ainda não está impresso.
JÚLIA (sorrindo) - Abusam de sua boa-fé, meu primo. É natural; ainda não conhece os nossos costumes; mas no meio de tudo isso, não vejo razão para desgostar-se tanto do Rio de Janeiro.
ERNESTO - Pois eu vejo. Que quer dizer sair um homem de casa para divertir-se, e voltar com as algibeiras cheias (tirando) de caixas de fósforos, de programas de espetáculos, de bilhetes de todas as qualidades, e de todas as cores, menos do tesouro; e além de tudo com a carteira vazia? Não, a Sra. pode achar muito boa a sua terra, mas eu não estou disposto a aturá-la por mais tempo.
JÚLIA - Que diz, primo?
ERNESTO - Vou-me embora; amanhã sai o vapor Josefina e eu aproveito.
JÚLIA - Deveras, Ernesto? Não é possível!
D. MARIANA - Não vê que está brincando?
ERNESTO - Palavra de honra! Tenho pressa de dizer adeus a esta terra dos fósforos, das loterias, e dos benefícios. . . Oh! dos benefícios sobretudo!...
JÚLIA - Escute, meu primo. Admito que essas primeiras impressões influam no seu espírito; que o Rio de Janeiro tenha realmente estes inconvenientes; mas vá passar um dia conosco nas Laranjeiras, e eu lhe mostrarei que em compensação há muitas belezas, muitos divertimentos que só na corte se podem gozar.
ERNESTO - Quais são eles? Os passeios dos arrabaldes? - Um banho de poeira e de suor. Os bailes? - Um suplício para os calos e um divertimento só para as modistas e os confeiteiros. O teatro lírico? - Uma excelente coleção de medalhas digna do museu. As moças?... Neste ponto bem vê que não posso ser franco, prima.
JÚLIA - Fale; não me importa. Tenho até curiosidade em saber o que pensa das moças do Rio. Fale!
ERNESTO - Pois bem; já que manda, dir-lhe-ei que isto de moça é espécie desconhecida aqui na corte.
JÚLIA - Como? Não sei o que quer dizer.
ERNESTO - Quero dizer que não há moças no Rio de Janeiro.
JÚLIA - E eu o que sou?
ERNESTO - Pior é esta! Não falo dos presentes.
JÚLIA - Bem; mas explique-se.
ERNESTO - No Rio de Janeiro, prima, há balões, crinolinas, chapéus à pastora, bonecas cheias de arames, tudo o que a Sra. quiser; porém, moças, não; não posso admitir. Ignoro que haja no mundo uma degeneração da raça humana que tenha a cabeça mais larga do que os ombros; que carregue uma concha enorme como certos caramujos; que apresente enfim a forma de um cinco.
JÚLIA - De um cinco? Que esquisitice é esta?
ERNESTO - É a verdade. Olhe uma moça de perfil, e verá um cinco perfeito. O corpo é a haste fina, o balão é a volta, e o chapéu arrebitado é o corte. (Apontando para o espelho fronteiro; Olhe!
Lá está um.
JÚLIA (voltando-se) - Aonde?
ERNESTO (rindo-se) - Ah! Perdão, prima, era a Sra.
JÚLIA - Obrigada pelo cumprimento! (Senta-se.)
ERNESTO - Ficou zangada comigo, Júlia?
JÚLIA - Não; zangada, por quê?
ERNESTO - Cuidei. (Uma pausa.)
JÚLIA - À vista disto o primo não viu no Rio de Janeiro nada que lhe agradasse?
ERNESTO - Nada absolutamente, não; vi alguma coisa, mas...
JÚLIA - Mas. . .
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