Acabe!
ERNESTO - O que me agrada é justamente o que não me persegue, o que me foge mesmo.
JÚLIA - Diga o que é?
ERNESTO - Não posso... Não devo...
JÚLIA - Ora quer fazer mistério.
ERNESTO - Pois bem; vai por sua conta; depois não se zangue.
D. Mariana, faça que não ouve. São seus olhos, Júlia!
D. MARIANA - Hein!...
JÚLIA (corando) - Ah! Ernesto! Quer zombar de mim?
ERNESTO - Olhe que eu não sou cá do Rio de Janeiro.
JÚLIA - Não importa; mas é estudante.
ERNESTO - Boa maneira de lembrar-me a minha humilde posição.
JÚLIA - Primo, não interprete mal as minhas palavras.
ERNESTO - Oh! Não pense que desconfio, não! Sei que um estudante é um animal que não tem classificação social; pode ser tudo, mas ainda não é nada. É uma letra de câmbio que deve ser descontada pelo futuro, grande capitalista de sonhos e de esperanças. Ora as moças têm medo do futuro, que para elas quer dizer o cabelo branco, a ruga, o carmim, o pó de arroz, et caetera.
JÚLIA - Isto são as moças vaidosas que só vivem de frivolidades, e eu creio, meu primo, que o Sr. não deve fazer esta idéia de mim; ao contrário...
BRAGA (adianta-se entre os dois) - Minha Sra., os cortes de vestidos estão às ordens de V.Ex.a.
ERNESTO [consigo] - Maldito caixeiro!
JÚLIA - Já vou.
ERNESTO - Adeus, Júlia, lembranças a meu tio, D. Mariana...
JÚLIA - Venha cá, Ernesto, espere por papai.
ERNESTO - Não posso; adeus. (Sai.)
CENA XIV
JÚLIA, D. MARIANA
JÚLIA - Não sei por que me interessa esse caráter original. Tenho-lhe amizade já, e apenas o vi há oito dias, e com esta a segunda vez.
D. MARIANA - Ouviu o que ele disse?... Seus olhos...
JÚLIA - Qual, D. Mariana, não creia. Cumprimentos de moço... Parte amanhã!...
D. MARIANA - Isto diz ele.
JÚLIA - Ora, deixe-me escolher os vestidos. Vamos!...
(Entram no interior da loja.)
CENA XV
FILIPE, D. LUÍSA
D. LUÍSA - O Sr. tenha a bondade de ler este papel.
FILIPE - Vejamos. (Lê) A Sra. é viúva então?
D. LUÍSA - É verdade; perdi meu marido; estou na maior desgraça; nove filhinhos dos quais o maior não tem cinco anos.
FILIPE - Nesse caso nasceram de três meses como os cordeiros. Nove filhos em cinco anos!
D. LUÍSA - São gêmeos, Sr.
FILIPE - Ah! tem razão! Foi uma ninhadazinha de pintos.
D. LUÍSA - O Sr. está zombando de mim? Se não fosse a dor de ver os pobrezinhos nus, chorando de fome, coitadinhos, não me animaria a recorrer à esmola das pessoas caridosas.
FILIPE - Fique certa que elas não deixarão de ampará-la nessa desgraça.
D. LUÍSA - E o Sr....
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