Entendia muito bem de navegação e, demais, estava cansado do título subalterno de cirurgião de bordo. Não renunciei, contudo, à profissão, e soube exercê-la, quando se me ofereceu ensejo. Por então contentei-me em levar comigo, nesta viagem, um moço praticante. Despedi-me de minha mulher, que ficava grávida. Embarcando em Portsmouth, fiz-me de vela a 2 de Dezembro de 1710.
Durante a viagem as doenças levaram-me parte da tripulação, de maneira que fui obrigado a recrutar gente nos Barbados e nas ilhas de Leward, onde os negociantes, com quem eu comerciava, tinham dado ordem para arribar; cedo, porém, tive ensejo para me arrepender de ter feito aquele maldito recrutamento, pois a mor parte era constituída por bandidos, que tinham sido piratas. Estes patifes insubordinaram o resto da minha tripulação e todos juntos combinaram apoderar-se de mim e do navio. Certa manhã, pois, entraram no meu camarote, atiraram-se a mim, amarraram-me e ameaçaram-me de me lançar ao mar se ousasse opor a menor resistência. Disse-lhes que a minha sorte estava nas suas mãos e que consentia, antecipadamente, no que eles quisessem. Obrigaram-me a proferir estas palavras sob juramento, e, em seguida, desamarraram-me, contentando-se em me acorrentar em pé à cabeceira da cama e em postarem uma sentinela à porta do meu camarote, com ordem de me fazer saltar os miolos se fizesse alguma tentativa de fuga. O seu projeto era fazer pirataria com o meu navio e dar caça aos espanhóis; para isso, porém, não eram muitos os tripulantes; resolveram, primeiramente, vender a carga do navio e ir a Madagascar para aumentar a sua gente. Entretanto, conservavam-me prisioneiro a bordo do meu camarote, muito inquieto com a sorte que me esperava.
A 9 de Maio de 1711, um tal Jacques Welch entrou e disse que recebera ordem do senhor capitão para me desembarcar. Quis, mas baldadamente, conversar com ele e dirigir-lhe algumas perguntas; recusou até dizer-me o nome daquele a quem tratava por senhor capitão. Fizeram-me descer para o escaler, depois de me haverem permitido arranjar o meu fardo e levar as minhas coisas. Deixaram-me o meu sabre e tiveram a delicadeza de não me revistar as algibeiras, onde havia algum dinheiro. Após quase uma légua de navegação, deixaram-me numa praia. Perguntei aos que me acompanhavam que região era aquela.
— Por nossa fé — responderam — sabemos tanto como o senhor, mas tome cuidado, não vá a maré surpreendê-lo. Adeus.
Em seguida o escaler afastou-se.
Abandonei a praia e subi a um outeiro para me sentar e deliberar sobre o caminho que tinha a tomar. Quando me senti um pouco descansado, avancei por esses terrenos, resolvido a aproveitar-me do primeiro meio de salvação que se me oferecesse e resgatar a minha vida, se pudesse, por algumas sementes, por alguns braceletes e outras bagatelas, de que os viajantes não deixam de munir-se e de que tinha uma certa quantidade nas algibeiras.
Descortinei grandes árvores, vastas campinas e campos, onde a aveia crescia por todos os lados. Caminhava com precaução, receando ser surpreendido ou receber alguma flechada. Depois de ter andado algum tempo, fui sair em uma estrada, onde se me depararam muitas pegadas de cavalos e algumas vacas. Vi, ao mesmo tempo, grande número de animais no campo e um ou dois da mesma espécie empoleirados numa árvore. A sua figura surpreendeu-me e, tendo-se aproximado alguns, ocultei-me por detrás de um maciço para melhor os examinar.
Cabelos compridos lhes caíam para a cara; o peito, as costas e as patas dianteiras eram cobertas de um espesso pêlo; tinham barba no queixo como os bodes, mas o resto do corpo era pelado e deixava ver uma pele muito cinzenta. Não tinham cauda; estavam ora sentados na relva, ora deitados, ora de pé nas patas traseiras; saltavam, pulavam e trepavam nas árvores com a agilidade dos esquilos, tendo garras nas quatro patas. As fêmeas eram um pouco menores do que os machos; tinham longos cabelos e apenas uma ligeira penugem em muitos sítios do corpo. Os seios pendiam entre as duas patas dianteiras e algumas vezes rojavam-se pelo chão, quando caminhavam. O pêlo de uns e de outros era de diversas tonalidades: cinzento, vermelho, preto e louro. Finalmente, em nenhuma das minhas viagens vira animal tão disforme e tão desagradável.
Depois de os haver examinado suficientemente, segui pela estrada, na esperança de que me conduziria a alguma choupana de índios. Tendo caminhado um pedaço, encontrei, a meio da estrada, um desses animais que se encaminhava diretamente para mim. Ao ver-me, estacou, fez uma infinidade de caretas e pareceu olhar-me como um animal cuja espécie lhe era desconhecida; depois, aproximou-se e levantou para mim a pata dianteira. Desembainhei o sabre e bati-lhe de leve, não querendo feri-lo, com receio de ofender aqueles a quem estes animais poderiam pertencer.
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