Além de um livro inteiro dedicado a Nathaniel Hawthorne, publicou mais de uma coletânea de ensaios críticos sobre escritores americanos e também europeus, como Balzac, Dickens, Flaubert, George Sand e Turgueniev, de quem chegou a ser amigo. 

É, portanto, compreensível que, ao lado do tema das relações América-Europa, outro grande filão a alimentar sua ficção tenha sido o do paralelo entre arte e vida, daí o grande número de escritores e pintores entre seus personagens. Ao comentar o que o teria motivado a escrever um dos romances sobre o assunto, The Tragic Muse (1890), Henry James confessou que sempre havia alimentado o desejo de traçar um “quadro dramático da vida de artista”. A aspiração era tão antiga que ele não saberia localizar precisamente sua origem. “Fazer alguma coisa sobre arte — arte entendida como uma complicação humana e como um obstáculo em termos da vida social” era um objetivo que o acompanhava desde o início de sua carreira de escritor. O motivo, explicou, era que o conflito entre arte e ‘‘o mundo” sempre lhe pareceu “um da meia dúzia de grandes temas primordiais” para um autor. “Complicação” e “obstáculo”, observe-se aqui, são duas palavras significativas para um inimigo declarado da facilidade — compreendida seja como uma literatura digestiva, seja como uma visão simplista da vida e do mundo. 

Apesar de ainda jovem ter chegado a manusear lápis e pincel, foi indiretamente, por meio de seu irmão William James, que o futuro escritor se familiarizou com o universo dos pintores e ateliês. William, que mais tarde se tornaria conhecido como pensador, pioneiro da psicologia e autor de As variedades da experiência religiosa, desde cedo mostrou talento para o desenho. Com menos de 20 anos, começou a ter aulas com o pintor William Morris Hunt, em Newport, nos Estados Unidos. Seguindo os passos do irmão, Henry decidiu estudar com o mesmo professor, travando assim seu primeiro contato com um artista e seu estúdio, com suas telas, esculturas, clientes, retratados, modelos vivos ou em gesso, compondo uma atmosfera que exploraria repetidamente em suas histórias.

Cercado por esses elementos, o escritor se lembraria do tempo em que passou sozinho no ateliê espaçoso, tentando reproduzir a cópia de um fragmento da escultura de Michelangelo que, anos antes, vira no Louvre. Porém, certo dia, ao ver a facilidade com que William reproduzia um modelo vivo, o futuro escritor se convenceu de que não tinha a menor chance de rivalizar com o irmão. Decidiu guardar para sempre seu lápis no estojo. 

A experiência, no entanto, não seria em vão. Em um colega seu de estúdio, o também aprendiz e futuro pintor John La Farge, James encontrou uma das primeiras pessoas a levar a sério a atração que sentia pela literatura. Se o amigo o convenceu a desistir das artes plásticas, estimulou-o, por outro lado, a escrever. Mais importante, apontou a afinidade existente entre as duas atividades: “As artes, afinal de contas, são, essencialmente, uma só”, observara o companheiro. La Farge apresentou-o a La Venus d'llle, de Prosper Merimée, história que, de modo significativo, gira em torno de uma escultura. Fascinado pelo conto, o jovem James o traduziu, tentando — ainda que sem sucesso — publicá-lo numa revista americana. Foi também pelas mãos do pintor que o escritor entrou pela primeira vez no universo de A comédia humana, de Balzac. 

Anos mais tarde, ao reler Eugénie Grandet, com total concentração e com as instruções de La Farge ainda na memória, o escritor “enxergaria o rosto do meu jovem mentor, de feições tão irregulares, porém tão refinadas, olhando para mim por entre as linhas, como se espiasse por entre as barras difusas de uma cela”. 

Os leitores desta coletânea perceberão, aliás, uma afinidade entre o tema de “A madona do futuro” e o do romance de Balzac A obra-prima ignorada, em que artistas perseguem em vão o espectro da obra de arte perfeita. 

La Farge não foi o único pintor conhecido de James, que também contou entre seus amigos com James Whistler e principalmente John Singer Sargent, um dos grandes retratistas americanos do século XIX. O artista, aliás, pintou um quadro de James em 1913, ao longo de doze sessões em seu estúdio. O escritor vivenciou, portanto, a experiência de posar para um retrato — tão rica e complexa em termos psicológicos e artísticos e por ele explorada em histórias como “O mentiroso”, escrita 24 anos antes. Ao mencionar essa história, numa das introduções da chamada New York Edition de suas obras, ele relembrou o exato momento e as condições em que lhe ocorreu pela primeira vez a ideia para essa novela. Como em outras ocasiões, o tema lhe fora servido numa bandeja, durante um das centenas de jantares a que compareceu em Londres. 

“Por que fatal desígnio do destino me vi colocado naquele jantar, numa noite de outono, naqueles velhos tempos em Londres, frente a frente com aquele cavalheiro, a quem encontrava pela primeira vez, apesar de conhecê-lo de nome e de fama?”, pergunta-se o escritor. Referia-se à figura que inspirou o principal personagem de seu conto, juntamente com sua esposa, sentada algumas cadeiras adiante, “serena e encantadora, mas cujo olhar jamais se detinha diretamente em nossos olhos”. 

Na mesma história, numa cena significativa, o escritor certamente se coloca no papel do pintor de retratos Oliver Lyon. Este, acabando de chegar a um jantar, vê-se diante da mesa repleta de convidados e descobre com prazer que lhe sobrava tempo para se entregar à sua distração favorita, examinando um rosto depois do outro. Essa diversão lhe proporcionava o maior prazer que conhecia e, muitas vezes, chegava à conclusão de que era uma bênção o fato de a máscara humana interessá-lo assim, e que isso não era menos vivido agora do que fora antes (às vezes, seu sucesso dependia estritamente disso), já que estava destinado a ganhar a vida reproduzindo-a.

A ideia perseguia o romancista, pois, ainda que em outro contexto, em um de seus muitos artigos dedicados a artistas e ao universo das artes plásticas, ele volta ao tema do pintor de retratos e, com uma ponta de inveja, calcula as recompensas proporcionadas pela experiência: “Um espectador que estivesse em busca de uma forma diferente de representação (refiro-me com isso a outro ofício) poderia especular o que isso teria significado para si mesmo, ter sentido e imaginado, com tamanha intensidade, durante uma carreira tão longa, tamanha quantidade de vida absolutamente digna de atenção. Isso só poderia ter consistido numa grande aventura, numa espécie de experiência emocionante vivida de forma indireta.” 

Viver através dos outros, portanto. Aqueles habituados a escritores de vidas aventurescas, que abatem rinocerontes na África, participam de guerras e revoluções, seduzem lindas mulheres e se embrenham por florestas tropicais, dificilmente classificariam de “grande aventura” ficar examinando os semblantes e dissecando as emoções dos participantes de um jantar. Para James, contudo, nada poderia ser mais emocionante. Os aposentos vitorianos com sua atmosfera abafada e seus habitantes encasacados constituem o palco para seus dramas, compõem a selva na qual sai à caça de emoções e sentimentos ocultos ou sufocados. 

Afinal, como reflete a certa altura o pintor do seu conto, “não estaria pintando retratos há tantos anos sem se ter tornado uma espécie de psicólogo”.

A história de uma obra-prima



I

NO ÚLTIMO VERÃO, durante uma estada de seis semanas em Newport, John Lennox ficou noivo da Srta. Marian Everett, de Nova York. O Sr.