A imaginação de Baxter não é lá essas coisas, e essa mesma expressão não transmite, na realidade, nada a não ser malevolência. Felizmente é um homem de enorme talento, e um pintor de verdade, e conseguiu realizar um retrato a despeito de si mesmo.
Foi a esses argumentos que Lennox viu-se obrigado a se reduzir, para sufocar os indícios oferecidos pelos seus sentidos. Mas quando um amante começa a duvidar, não consegue parar. Apesar dos sinceros esforços para seguir acreditando em Marian como antes, para aceitá-la sem hesitações ou suspeitas, mostrava-se incapaz de reprimir um impulso para assumir uma constante desconfiança e aversão. O encanto havia se partido e encantos não podem ser reparados. Lennox permaneceu absorto, observando a fisionomia da pobre moça, pesando as palavras dela, analisando seus pensamentos, especulando sobre seus motivos.
O comportamento de Marian durante essa difícil provação foi verdadeiramente heroico. Sentiu que alguma mudança sutil ocorrera nos sentimentos do futuro marido, um sentimento que — ainda que ela estivesse impotente para descobrir as causas — obviamente colocava em risco suas expectativas. Algo se interpusera entre os dois; ela havia perdido metade do seu poder. Estava terrivelmente aflita, e mais ainda porque essa força de caráter superior que atribuía a Lennox poderia agora, ela ponderava, encobrir algum objetivo ousado e de grandes consequências. Poderia ele estar considerando um rompimento pura e simplesmente? Seria sua intenção afastar de seus lábios a doce, saborosa e perfumada taça que significava ser a esposa de um afável milionário? Marian voltou um olhar trêmulo para seu passado e ficou imaginando se teria descoberto alguma nódoa escura. Se era essa a questão, será que não deveria desafiá-lo a fazer isso? Não tinha feito nada de realmente irregular. Não existia nenhuma mácula visível em sua história. Era ligeiramente desbotada, na verdade, em termos de moral, era marcada por certo tom encardido; mas não se sairia mal se comparada à de outras jovens. Preocupara-se apenas com o prazer; mas não é para isso que as meninas são educadas? No geral, não deveria se sentir tranquila? Assegurou a si mesma que sim; contudo, sentia que, se John pretendia romper o noivado, faria isso com base em objeções altamente abstratas, e não porque ela tivesse cometido uma baixeza a mais ou a menos. Aconteceria simplesmente porque tinha deixado de amá-la. De pouco lhe adiantaria assegurar-lhe que ela iria gentilmente colocar-se acima das circunstâncias e perdoar as obrigações do coração. Contudo, a despeito de sua terrível apreensão, ela continuava a sorrir e a sorrir.
Os dias se passaram e John concordou em manter o noivado. Faltava apenas uma semana para o casamento — seis dias, cinco dias, quatro. O sorriso da Srta. Everett tornou-se menos mecânico. Aparentemente, John estava passando por uma crise — uma crise moral e intelectual, inevitável num homem de sua constituição, e com a qual ela nada tinha a ver. Na véspera do casamento, ele havia sondado o próprio coração; descobrira que não era mais jovem e capaz dos devaneios da paixão, e havia decidido chamar as coisas por seus verdadeiros nomes, e admitir para si mesmo que estava se casando não por amor, mas por amizade, e um pouco — talvez — por prudência. Era apenas em consideração às teorias mais exaltadas a respeito do assunto e que atribuía a Marian que ele se abstinha de lhe revelar essa visão do casamento, mais baseada no senso comum. Essa era a hipótese de Marian.
Lennox tinha marcado seu casamento para a última quinta-feira de outubro. Na sexta-feira anterior, ao passar pela Broadway, parou no ateliê Goupil para saber se suas ordens a respeito da moldura do quadro haviam sido levadas a cabo. A tela tinha sido carregada para a loja e, depois de devidamente emoldurada, a pedido de Baxter e com o consentimento de Lennox, fora colocada por alguns dias na sala de exposição. Lennox subiu para vê-la.
O retrato estava num cavalete no fundo do salão, com três espectadores parados diante dele — um cavalheiro e duas damas. A não ser por essas pessoas, o aposento estava vazio. Ao avançar na direção do quadro, descobriu que o cavalheiro era Baxter. Preparou-se para apresentá-lo às damas que o acompanhavam, sendo que Lennox identificou a mais jovem como a noiva do artista.
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