Na tarde de quarta-feira, montou seu cavalo e deu um longo passeio. Voltou ao entardecer e foi recebido no saguão por sua velha governanta.
— O retrato da Srta. Everett, senhor — disse ela —, acabou de ser entregue numa moldura linda. Como o senhor não me deu instruções, tomei a liberdade de mandar que o colocassem na biblioteca. Pensei — e a senhora sorriu, cheia de deferência — que o senhor gostaria de tê-lo no próprio quarto.
Lennox foi até a biblioteca.
O quadro estava no chão, apoiado numa poltrona de espaldar alto e — através da janela — banhado pelos últimos raios horizontais do sol. Deixou-se ficar por alguns instantes diante dele, olhando-o com uma expressão transtornada.
— Que seja! — disse, finalmente. — Marian pode ser aquilo que Deus fez dela; mas esta criatura detestável eu não posso nem amar nem respeitar!
Olhou em volta com um desespero irritado e seus olhos encontraram um punhal longo e afiado, dado de presente por um amigo que o havia comprado no Oriente, e que permanecia como um ornamento no console da lareira. Pegou-o e cravou-o, com uma alegria bárbara, bem no meio do rosto adorável da imagem. Ele o empurrou até embaixo, produzindo um longo rasgo na tela. Então, com meia dúzia de golpes, retalhou-o em vários sentidos, ao acaso. O ato lhe proporcionou um alívio imenso.
Mal preciso acrescentar que no dia seguinte Lennox se casou. Havia trancado a biblioteca ao sair do aposento na noite anterior, e mantinha a chave no bolso do colete enquanto estava em pé diante do altar. Como deixou a cidade imediatamente depois da cerimônia, só depois do retorno, cerca de quinze dias mais tarde, é que o destino do quadro se tornou conhecido. Não é necessário contar como explicou o ocorrido a Marian e como o revelou a Baxter. Pelo menos fingiu manter uma atitude impassível. Corre um rumor de que teria pago ao pintor uma enorme soma. Provavelmente o total deve ter sido exagerado, mas não pode haver dúvida de que o montante foi muito alto. Como ele tem reagido — como está destinado a reagir — ao matrimônio, é algo que seria prematuro tentar determinar. Está casado há apenas três meses.
The story of a masterpiece, 1868
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1 Em um mar de veludo que movia seus pezinhos. (N. da E.)
CONVERSÁVAMOS sobre os mestres que haviam conseguido realizar apenas uma obra-prima — artistas e poetas que em apenas uma ocasião em sua vida haviam experimentado a inspiração divina e atingido o mais alto nível de perfeição. Nosso hóspede acabara de nos mostrar uma pequena e encantadora pintura de cavalete de um artista cujo nome jamais tínhamos ouvido falar, e que, depois desse único e espasmódico impulso na direção da fama, havia aparentemente recaído na obscuridade e na mediocridade. Ocorreu certa discussão quanto à frequência com que ocorria esse fenômeno. Nesse momento, observei, H. permaneceu sentado em silêncio, terminando seu charuto com uma expressão pensativa, e olhando para o quadro que estava sendo passado de mão em mão ao redor da mesa.
— Não sei até que ponto esse caso é comum — disse, finalmente —, mas já vi acontecer. Conheci um pobre coitado que pintou sua obra-prima única e — acrescentou com um sorriso — nem mesmo a pintou. Para obter fama, ele fez sua aposta, e perdeu. Todos conhecíamos H. e o tínhamos na conta de uma pessoa inteligente, que vira muitos homens e muitos costumes e que detinha um grande estoque de reminiscências. Alguém imediatamente estimulou-o a seguir adiante, e, enquanto observava os arroubos de entusiasmo de meu vizinho de mesa em relação ao pequeno quadro, foi induzido a contar sua história.
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